sexta-feira, janeiro 01, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Desafio e promessa

O GLOBO - 01/01/10


A sensação é oposta. Há um ano, eram sombrias todas as previsões da economia. O Brasil e o mundo entraram no ano passado pisando em terreno recessivo, de ameaças e riscos. Neste começo de 2010 a dúvida aqui dentro é se o Brasil crescerá 5% ou 6%. O mundo voltou a crescer.

Mesmo assim há perigos, principalmente na economia mundial.

O crescimento do Brasil este ano está dado. Parte dele será efeito estatístico da comparação com uma base fraca, parte será a ampliação do consumo e investimento.

A economia entrou em 2010 com a menor taxa de juros do passado recente, com o maior percentual de crédito/PIB, com a inflação dentro da meta, deflação nos preços do atacado, desemprego em queda e reservas cambiais nunca vistas.

O cenário é bom, mas tem riscos. O crescimento da demanda se exacerbou no fim do ano e pode pressionar os preços. As cotações das commodities exportadas pelo Brasil estão em alta, o que faz bem para o comércio exterior, mas pressiona os preços internos.

Os juros de pessoa física são os mais baixos desde a estabilização, mas são de 43% ao ano num país com inflação de 4,3%. Já endividados, mas otimistas com a economia, os consumidores podem perder a noção do perigo de um crédito com juros que, mesmo parecendo baixos para nós, continuam exorbitantes. O déficit em transações correntes vai crescer.

O mercado financeiro, após ler todas as comunicações do Banco Central, concluiu que as taxas de juros podem ser elevadas para conter o excesso de demanda e a pressão de preços. E isso pode acontecer já em abril. Se o presidente do Banco Central estiver saindo para concorrer a cargo público a dúvida que fica é se o BC terá uma atuação técnica ou cederá às pressões políticas de um ano eleitoral.

O crescimento vai reverter parte da deterioração fiscal que houve em 2009.

Mesmo assim, as contas públicas preocupam porque, há vários anos, o governo tem elevado as despesas com funcionários num percentual maior do que o do crescimento do PIB. No ano passado isso ocorreu novamente mesmo com queda de arrecadação.

Elevar gasto público foi o remédio adotado no mundo inteiro, mas o Brasil aumentou contratações e salários de funcionários públicos. Essa conta ficará para os anos seguintes.

O setor privado entra no ano de 2010 com baixos estoques, o que indica que haverá aumento da produção para recomposição de estoques. Que diferença com o cenário há um ano que era de férias coletivas generalizadas! As reduções de impostos para setores escolhidos incentivaram o consumo, mas deixaram também uma conta salgada e uma dúvida: quando esses estímulos fiscais serão retirados? A mesma dúvida pesa sobre a economia mundial de forma muito intensa. Os estímulos fiscais e monetários foram volumosos nos países desenvolvidos. Agora, o desafio será saber a hora da retirada. A grande dúvida de 2010 na economia internacional é exatamente a retirada dos benefícios fiscais e monetários. A maioria dos países já voltou a crescer, mas as economias continuam dependendo de socorro governamental. Em alguns países, mesmo com todos os estímulos, a economia ainda patina, como a Inglaterra. Isso pode ter efeitos políticos. O governo Gordon Brown depois de 13 anos de trabalhismo pode perder a eleição para os conservadores.

Há um ano o cenário era assustador. As maiores economias do mundo estavam sob risco. Hoje não é mais assim, mas os problemas financeiros recentes de Dubai e Grécia lembram que não se pode dizer que está tudo superado. O que é um rebaixamento na Grécia comparado ao risco de desabamento da economia americana há um ano? Parece ser nada, mas é bom estar atento a alguns sinais.

As maiores economias do mundo saem da crise com uma enorme dívida pública, há vários sinais de que bolhas estão se formando, as autoridades terão que agir contra essas bolhas antes de ter certeza de que a recuperação econômica está consolidada. A administração da ressaca da crise global não será tarefa trivial.

Outra dúvida que paira sobre o Brasil e o mundo este ano é o que vai acontecer com a moeda chinesa.

O aviso do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, de que a China não cederá às pressões para valorizar a moeda, mostra que a distorção no comércio internacional continuará.

O maior exportador do mundo, a economia que mais cresceu na crise, continuará com uma moeda com um preço artificial.

Equivale a um campeão olímpico que, não contente com o próprio desempenho, decide tomar anabolizante e sem que haja um comitê olímpico para puni-lo.

No Brasil, a década que começa hoje traz grandes promessas. Com todo o avanço que houve nas últimas duas décadas o Brasil parece preparado para crescer de forma sustentada.

Há eventos já garantidos que puxarão investimentos como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Desafios do tamanho das promessas nos aguardam.

O país ainda não sabe como debelar a corrupção que corrói silenciosamente a confiança na democracia e distorce as bases dos contratos de fornecimento ao estado. Os gargalos da falta de investimento ficarão mais explícitos exatamente quando o país retomar o crescimento. O envelhecimento da população exigirá que o assunto previdência seja encarado com menos paixão e mais objetividade.

O crescimento econômico terá que respeitar as novas imposições ambientais. Pela dimensão dos desafios e promessas, esta será uma década que marcará nosso destino no mundo.

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