segunda-feira, janeiro 18, 2010

GEORGE VIDOR

Ganhando tempo

O GLOBO - 18/01/10



A inflação no primeiro trimestre do ano passado medida pelo IPCA (o índice que baliza as metas do governo) foi de 1,2%. Ainda que em todo começo do ano haja uma série de reajustes de preços e tarifas definida mais pelo calendário do que pela demanda por bens e serviços, é provável que a variação acumulada do IPCA agora nos três primeiros meses de 2010 não ultrapasse 1%.

O aumento do salário mínimo, antecipado para janeiro, põe um pouco de lenha na fogueira da inflação.


As fortes chuvas também têm afetado a oferta de alimentos frescos.


Por outro lado, o câmbio está bem mais comportado do que no início de 2009, quando a economia brasileira continuava sacudida pela crise financeira internacional.


O câmbio, historicamente, influencia a trajetória da inflação no Brasil.


Na coluna da semana passada citei um estudo de dois pesquisadores do IBGE atribuindo metade da retração registrada pela indústria brasileira nos dois trimestres mais críticos da crise ao declínio do comércio exterior no período. Para 2010 esperase uma recuperação da corrente de comércio (exportações e importações), mas não a ponto de ocupar toda a capacidade ociosa da indústria. Então, o câmbio deve permanecer como um dos atenuantes da pressão inflacionária.


A trajetória da inflação no curto prazo será importante para a formação de expectativas no mercado financeiro.


Por enquanto, está quase todo mundo apostando em nova alta nas taxas básicas de juros. Nesse quadro, o melhor é ir ganhando tempo. Se os índices de inflação repetirem a trajetória do ano passado, pode ser até que essa expectativa de alta se dissipe.


Não é apenas o crédito imobiliário para construções destinadas a famílias de baixa renda que depende da manutenção de taxas básicas de juros em um patamar próximo do atual.


Empreendimentos de infraestrutura também só se tornam atraentes quando essas taxas não passam de 11%, 12% ao ano.


Em grande maioria, as pessoas que formam opinião no mercado financeiro não acreditam que o país já reúne condições para conciliar crescimento econômico na faixa de 5% com índices de inflação moderados (em torno de 4%) e contas externas saudáveis.


De fato, esses três objetivos não são de fácil alcance simultâneo.


Por via das dúvidas, esses formadores de opinião acham que o Brasil precisa andar com o freio de mão um pouco levantado, usando para tal taxas de juros elevadas. Os juros se mantêm no Brasil não só bem acima da média internacional, mas superam, por considerável margem, o patamar dos países emergentes. É o preço que estamos pagando pelo longo passado de inflação crônica e aguda. Diz a lenda que Moisés ficou vagando no deserto com seu povo para que gerações se renovassem e uma nova mentalidade surgisse.


No caso das taxas de juros no Brasil, também só o tempo parece que conseguirá resolver essa questão.


O câmbio deixou de ser um risco permanente, o déficit público encolheu (embora tenha havido uma derrapada em 2009) e a dívida do Tesouro vem se alongando. Quando lança títulos lá fora, aliás, o Tesouro até consegue vender os papéis oferecendo rendimentos bem inferiores aos cotados no mercado financeiro doméstico...


Em 2009, alguns índices de preços registraram deflação durante vários meses, mas a possibilidade de os juros básicos recuarem para menos de 8,75% sequer foi cogitada no mercado financeiro, diante da perspectiva de aquecimento da economia em 2010 e 2011. Pelo relatório Focus, no qual o Banco Central extrai uma média das previsões de diferentes instituições financeiras, os juros básicos em 2010 voltarão para um patamar acima de 10%, o que seria um retrocesso pelos efeitos colaterais negativos que as taxas excessivamente altas causam à economia.


Além da trajetória da inflação no curto prazo, um outro indicador será fundamental na formação de expectativas entre os agentes econômicos ao longo deste ano: o déficit consolidado das finanças públicas. Antes do agravamento da crise financeira internacional, em setembro de 2008, o Brasil vinha reduzindo gradativamente esse déficit. Mas a curva mudou de direção depois disso e a crise entrou como justificativa para o ressurgimento do déficit.


Mas para 2010 não haverá desculpas. A arrecadação já voltou a crescer nas três esferas de governo (União, estados e municípios) e todo o aumento de gastos foi previamente programado. A taxa básica de juros hoje é a mais baixa desde o lançamento do real e isso, por si só, já deveria provocar uma forte redução nos encargos financeiros do setor público que, no ano passado, ainda correspondiam a 5% do Produto Interno Bruto (PIB).


Se esses encargos recuarem para 4,5% do PIB, e o setor público acumular um superávit primário de mais de 3%, o déficit consolidado encolherá para menos de 1,5%, o suficiente para deixar em segundo plano a preocupação sobre um possível descontrole nas finanças governamentais.


São números que podem ser mais facilmente alcançados com a economia brasileira crescendo de novo. A relação entre a dívida pública líquida e o PIB, por exemplo, pode recuar de 44% para 40%.


Considerando-se a dívida bruta, o percentual satisfatório seria 60% (está em 66%).

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