domingo, janeiro 24, 2010

ELIO GASPARI

O Big Brother diz que vem para o bem

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/01/10


Uma ideia para se rastrear a internet naufragou na Inglaterra, mudou de alma e chegou ao Brasil CHEGOU AO BRASIL a oferta de uma tecnologia de rastreamento de navegações pela internet capaz de mexer simultaneamente com a estrutura do mercado publicitário, com o alcance dos seus serviços e com a privacidade da clientela.
Atualmente, é comum o rastreamento dos endereços por onde navega uma pessoa. O Google rastreia as pesquisas que lhe são pedidas e com isso seleciona os anúncios que coloca em suas barras laterais. No ano passado, faturou mais de US$ 20 bilhões vendendo publicidade.
A publicidade direcionada é o sonho de receita de todas as empresas do universo da internet. Alguém quer anunciar uma pousada na Paraíba para casais com crianças pequenas, hábitos caros e gosto por windsurf? O rastreador coloca seus anúncios nas páginas de pessoas que navegam no mundo do luxo, dos esportes radicais e no comércio de brinquedos ou videogames. O anunciante, por sua vez, paga de acordo com o número de cliques que sua propaganda atraiu.
O novo Big Brother chega com quatro notícias. Uma ruim, três boas. Primeiro a ruim: a iniciativa é oferecida pela empresa Phorm, que em 2007 meteu-se numa tenebrosa transação na Inglaterra. Fez uma sociedade com a British Telecom e, sem aviso, rastreou o movimento dos internautas da operadora. Apanhados, desmancharam o negócio.
Agora, as boas notícias. As empresas de telefonia envolvidas na negociação garantem que a conversa parte de três clausulas pétreas. A saber:
1)O rastreador não guardará no seu banco os sítios frequentados pelo freguês, muito menos sua identidade pessoal. Ele traçará o perfil do cliente seguindo seu rastro, mas jogará fora as pegadas.
2)As operadoras de celulares que vendem serviços de internet não misturarão seus cadastros eletrônicos com os dados telefônicos da freguesia. Eles refinariam o perfil dos usuários, mas xeretariam a vida alheia.
3) Só será rastreado quem quiser, enquanto quiser. A Phorm e a BT tentaram enganar a clientela e ganharam um formidável adversário, Tim Barners-Lee, o cientista que, em 1989, teve a ideia de criar um troço chamado "world wide web", o popular www.
Berners-Lee sustenta que o rastreamento deve ser uma escolha exclusiva do consumidor. Como o negócio é muito bom, as empresas podem oferecer incentivos para quem quiser ser rastreado. Criou-se no mercado a mistificação segundo a qual é dada ao freguês a opção de sair do serviço, obrigando-o a cumprir um breve calvário. Essa postura é arrogante. Não se oferece uma coisa a uma pessoa exigindo que ela se manifeste caso não a deseje. É justo o contrário, quem quer leva, quem não quer passa.

TEMPORÃO VIVE ENTRE PINDORAMA E PANDORA

A repórter Fabiane Leite descobriu que o doutor José Gomes Temporão opera em duas bandas, uma no Brasil, outra em Pandora, a terra dos Na'vi do filme "Avatar".
Em junho, o ministro da Saúde anunciou o lançamento de um glorioso "Sistema Eletrônico de Ressarcimento ao SUS" para cobrar das operadoras dos planos de saúde aquilo que a rede pública gasta no atendimento de seus clientes. O Ministério da Saúde informou que o mecanismo de cobrança "foi totalmente informatizado, permitindo maior agilidade do processo de cobrança e pagamento". "Foi" nada. Oito meses depois, é apenas uma encrenca de papel que promete funcionar em abril.
Poderia ser apenas um efeito especial, oferecendo a Pindorama a poesia de Pandora. Era coisa pior. O antigo sistema de cobrança, bichado desde 2006, está fora do ar desde janeiro de 2009.
Ganha seis ingressos para "Avatar" quem decifrar o mistério: Temporão vive com os Na'vi e às vezes vem ao Brasil, ou vive em Pindorama com os óculos que o mantêm nas matas de Pandora?

ELETROSURINAME
A AES Eletropaulo está em busca de algum prêmio internacional de descaso. Em menos de um mês, interrompeu três vezes o fornecimento de energia numa região situada a um quarteirão da avenida Paulista. Dois apagões, um dos quais com seis horas de duração, sem aviso prévio. As operadoras de telefonia compensam esse tipo de falha descontando os dias parados. Como a Aneel é uma mãe para as concessionárias, não ocorre a ninguém obrigá-las a ressarcir o prejuízo que provocam.

NATASHA & EREMILDO
Madame Natasha e Eremildo, o Idiota, juntaram-se para preservar a memória da peripatética visita do ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao Haiti. Quando o marechal Montgomery, com uma boina na cabeça, comandava sua tropa na batalha de El Alamein, seu sonho era ficar parecido com Jobim. Ao desembarcar em Brasília, menos de 60 horas depois do terremoto, Jobim trazia sua nova: "Desaparecido é o termo técnico para corpos não encontrados" (...) "Evidente que nesse momento a palavra "desaparecido" funciona como um eufemismo". Madame Natasha acredita que ele quis dizer o seguinte: "Quem não apareceu está morto". Diante disso, Eremildo contou à senhora que, depois da revelação de Jobim, cerca de cem mortos ressuscitaram em Porto Príncipe.
Eremildo tuitou sua galera convocando-a para uma passeata que irá da porta do Ministério da Defesa à Embaixada dos Estados Unidos, protestando contra o que Jobim chamou de "assistencialismo unilateral" dos americanos. Eremildo exige a imediata retirada das tropas americanas do Haiti, substituindo-as pelo multilaterismo laringológico de Jobim, Hugo Chávez e Evo Morales.

NEGÓCIO NA TORRE
Pelo andar da carruagem, o projeto da torre que a Eletrobrás pretende construir na Lapa será entregue a um arquiteto amigo de alguém ou de uma empreiteira amiga de todo$.
Resta pedir ao governador Gomes Freire de Andrade (1685-1763), em cuja administração foram construídos os arcos, que vele pela cidade. Ele era mau, mandava torturar quem fazia moeda falsa, e está por perto, no convento de Santa Teresa.

HARVARD NA FAVELA
Treze estudantes de arquitetura e urbanismo da Universidade Harvard produziram uma joia para o estudo das favelas nas grandes cidades brasileiras. Eles baixaram na comunidade de Cantinho do Céu (30 mil habitantes), localizada à beira da represa Billings, fornecedora de água para São Paulo.
Ajudados pela Secretaria Municipal de Habitação, trabalharam 14 semanas no estudo da Cantinho, visitando-a por quatro dias. Livre de demofobia, a equipe projetou dez iniciativas que resultaram no livro "Operações Táticas na Cidade Informal". Cantinho do Céu se espalha por seis quilômetros de orla e é cortada por linhas de transmissão de que ocupam uma área desabitada de 40 hectares.
As propostas dos jovens parecem sonhadoras mas, quando dão certo, mudam a cultura de uma cidade. Propõem a criação de áreas sociais, como um calçadão na orla, e o enterramento das linhas de alta tensão, com a abertura de um novo espaço urbano. Percebe-se a inteligência da garotada quando se vê que eles não escreveram a palavra "polícia".

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