domingo, janeiro 10, 2010

CELSO MING

Caixas-pretas

O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/01/10



A autonomia dos bancos centrais está sob ataque em todo o mundo e uma revisão das funções dos bancos centrais parece inevitável. No entanto, até agora não se inventou sistema melhor para executar a política monetária (política de juros).

Ontem, esta Coluna apontou de onde e por que vem tanto tiro. Hoje, a proposta é identificar um pouco melhor o problema.

Os críticos não se conformam com tanta concentração de poder nas mãos dos dirigentes dos bancos centrais que nem sequer são eleitos para seus cargos. Se o mandato de um chefe de Estado emana do voto popular, por que a administração do principal patrimônio da sociedade, a moeda, fica a cargo de um punhado de burocratas que agem de acordo com o que lhes dá na telha, estão sempre cheios de razão e quase nunca dão satisfação do que aprontam.

A independência (ou autonomia) do banco central se baseia em dois pressupostos. O primeiro é o de que nada é mais destrutivo para a vida econômica e social do que a inflação. Por isso, tem de ser combatida implacavelmente. A longo prazo, não há incompatibilidade entre combate feroz à inflação e defesa do emprego e da renda. Ao contrário, é a falta de estabilidade monetária que destrói o setor produtivo e o emprego.

O segundo pressuposto é o de que não se pode deixar as impressoras de moeda nas mãos dos políticos. É botar o bode para tomar conta do milharal. Os políticos precisam do voto e voto se obtém gastando verbas públicas. Quando faltam verbas públicas, como tantas vezes acontece, não há político que resista à tentação de soltar dinheiro à vontade.

Segue-se que, na condição de cão de guarda da moeda, o banco central tem de ficar longe dos políticos e deve usar seus dentes (política monetária) sempre que farejar inflação.

No sistema de metas de inflação, o banco central obtém do governo o patamar tolerado (no Brasil, é hoje de 4,5% ao ano) e usa a política de juros para empurrar a inflação para dentro dessa meta. Se a inflação ameaça escapar para cima do estabelecido, tem de reduzir o volume de dinheiro na economia (aumentar os juros); se a inflação está sob controle e tende a resvalar para baixo do planejado, o banco central injeta mais dinheiro na economia (baixa os juros).

A ideia é que essas medidas tecnocráticas sejam sempre explicadas e delas se prestem contas à sociedade. E, no entanto, (esta é uma das queixas mais comuns) os bancos centrais se portam como confrarias secretas que operam caixas-pretas a que ninguém tem acesso. Em parte, não há como não ser caixa-preta. Os bancos centrais são os fiscais e supervisores de instituições sujeitas a rigoroso sigilo bancário e os próprios bancos centrais são bancos. Não há como abrir tudo aos distintos interessados.

Em todo o caso, nesta crise, ficou claro que os bancos centrais não deram conta do recado. Deixaram que os bancos produzissem todo tipo de lambança. Uma das razões pelas quais as bolhas apareceram e estouraram foi a excessiva generosidade da política monetária exercida pelo maior banco central do mundo, o Federal Reserve (Fed, banco central americano).

Não há saída, é preciso repensar tudo. Mas, paradoxalmente, todos os projetos de mais regulação e mais controle conduzem a soluções que preveem mais poder para os bancos centrais.

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