segunda-feira, novembro 23, 2009

GOSTOSA


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PAULO GUEDES

Pontes de papel e alicerces do futuro

O GLOBO - 23/11/09


Nos anos 20 do século passado, o brilhante economista John Maynard Keynes vislumbrava pontes de papel sobre o Oceano Atlântico: “A recuperação econômica da Alemanha depende de um enorme fluxo circular de papéis, com os Estados Unidos dando empréstimos à Alemanha, que usa os recursos para reparações de guerra feitas à Inglaterra e à França, que por sua vez pagam suas dívidas com os Estados Unidos.” A ciranda financeira era um esforço para a manutenção da atividade econômica mundial após a I Grande Guerra.

Na primeira década do século XXI, as pontes de papel estão sobre o Pacífico. O excesso de poupança dos asiáticos estimulou o extraordinário endividamento dos americanos. Especialmente os chineses financiam os gastos excessivos dos Estados Unidos, que por sua vez se transformam em mais exportações, maior crescimento e novos empregos. O esforço das autoridades tanto na China quanto na América é não deixar que se queimem as pontes de papel na tentativa de manter sua prosperidade econômica.

Como sabia Keynes à época que era insustentável a antiga ordem, e inevitáveis as mudanças, sabemos hoje que também se aproxima do esgotamento a simbiose sino-americana.

O capitalismo desimpedido exigiria ajustamentos fulminantes. As quedas de preços de ações e imóveis na América derrubariam o consumo. A falência das agências americanas de crédito imobiliário dissolveria mais de US$ 1 trilhão acumulados em manipulações cambiais pelo Banco Central da China. A desvalorização do dólar e a valorização do yuan seriam inevitáveis. O abalo do status do dólar como moeda de reserva da economia global interromperia os abusos do Federal Reserve, o banco central americano, em sua emissão descontrolada. E o modelo chinês de crescimento teria de se basear no consumo interno, evitando a deflagração da guerra mundial por empregos.

Este não é, entretanto, o mundo em que vivemos.

Permanecem sob controle das autoridades preços críticos da economia global, como as taxas de juros na América e a cotação dólar/yuan manipulada pela China. Temos pela frente um longo período de reflação da demanda global. É nesse ambiente global de liquidez abundante, taxas de juros artificialmente baixas, preços de commodities inflados, manipulação cambial e guerra mundial por empregos que a economia brasileira se deslocará no futuro próximo.

A liquidez abundante, o excesso de oferta de mão de obra não qualificada e a disponibilidade de novas tecnologias tornam o empreendedorismo o fator escasso e, consequentemente, o mais valioso da nova ordem econômica mundial. Desse empreendedorismo dependeremos também para a recuperação de nossa dinâmica de crescimento, baseada em um mercado interno de consumo de massas. Sua missão é mobilizar e coordenar fatores de produção críticos a nosso desempenho futuro: educação, logística e fontes de energia renováveis.

GEORGE VIDOR

Antibruxas

O GLOBO - 23/11/09


A possibilidade de duas grandes linhas de transmissão de energia, mesmo paralelas, entrarem em curto simultaneamente é muito pequena. Em três, então, é quase nula. Mas o improvável aconteceu.

É meio aquele ditado em espanhol sobre as bruxas (“no creo, pero que las hay, hay”). Então, por via das dúvidas, o sistema interligado deveria contar com “centrais elétricas de emergência”.

Instalar novas linhas de transmissão “sobressalentes” ficaria caro demais, e acabaria onerando as tarifas pagas pelos consumidores de energia. O mais adequado, na opinião de alguns especialistas, seria a utilização de usinas próximas aos centros de consumo que se dedicariam ao fornecimento de energia, em situações de emergência, para hospitais, quartéis, trens, metrôs, iluminação de ruas, áreas de grande movimento comercial.

No caso de não existirem centrais elétricas próximas, uma das opções seria a instalação de grandes geradores locais apenas para esse fim.

Embora queimem óleo combustível ou diesel, tais motores só funcionariam em situações de emergência.

Pela tecnologia atual, em menos de cinco minutos esses grandes geradores são postos em operação.

Provavelmente a implantação de um sistema de emergência a cargo das distribuidoras de energia custaria menos que a soma dos vários geradores de porte médio sob responsabilidade direta de hospitais, companhia de trens, etc.

Em andanças recentes tive a oportunidade de visitar a mais antiga usina de açúcar e álcool do grupo Cosan (a Costa Pinto, em Piracicaba), que é o maior do setor, para observar o processo de cogeração de vapor e energia elétrica a partir da queima do bagaço de cana. Das 400 e tantas usinas existentes no país, nem 90 geram excedentes de eletricidade.

Mas a geração atual já equivale a 3% da energia fornecida por Itaipu (mas a contribuição do setor poderia perfeitamente passar de 3% para 20%).

No caso da Costa Pinto, muito próxima ao centro de Piracicaba, cidade com 450 mil habitantes que faz parte da região metropolitana de Campinas, a capacidade de geração é de 75 megawatts. A usina utiliza um quinto disso para si própria. Grande parte do excedente é vendido à CPFL, por uma linha de transmissão de apenas dois quilômetros, e ainda sobra alguma coisa para negociação no mercado livre.

A usina consegue moer 24 mil toneladas de cana por dia. No dia em que a visitei, estava moendo quase 15 mil toneladas. A safra deve se estender até dezembro, pois chuvas fortes na região retardaram a colheita.

A lavoura da cana em São Paulo está se mecanizando.

Depois de 2014 não haverá mais colheita manual e, provavelmente, nem plantio (a introdução de cada máquina emprega de 14 a 18 pessoas, com salários geralmente 50% mais altos; no entanto, cada uma delas substitui o trabalho de cem cortadores de cana). Como 54% da safra paulista já são provenientes de lavouras mecanizadas, as usinas agora aproveitam também a palha, junto com o bagaço, nas suas caldeiras, obtendo mais vapor para o processo de produção de açúcar/álcool e geração de eletricidade.

Na colheita manual, a palha acaba sendo queimada antes do corte, para não expor ainda mais os trabalhadores a acidentes (as folhas da cana, quando verdes, parecem “navalhas”).

Os usineiros resistiram muito à idéia de investir em aumento da capacidade de cogeração. Essa iniciativa teve que passar por um teste São Tomé, comprovando, na prática, que funciona. O retorno do investimento se dá num prazo de 9 a 11 anos. A receita da venda de energia contribui com aproximadamente 10% do faturamento da usina, Pode não ser muito mas garante à empresa um fluxo de caixa estável (enquanto o resultado do açúcar e do álcool oscila fortemente, acompanhando a variação de preços desses produtos nos mercados doméstico e internacional). Para cada tonelada de cana, o lucro bruto obtido com açúcar e álcool é da ordem de R$ 90. Então é uma atividade que, para ser bom negócio, precisa de grandes quantidades.

Voltando ao tema da cogeração, com exceção do sistema de controle das turbinas — semelhante ao de aviões — toda a linha de equipamentos para a cogeração é fabricada e projetada no Brasil.

A chamada bioeletricidade, originária do bagaço de cana, sempre terá função complementar, especialmente no período que as chuvas diminuem e os reservatórios das hidrelétricas se esvaziam.

É um tipo de energia que, se não é capaz de evitar apagões, permite que localidades próximas às usinas restabeleçam o fornecimento rapidamente. Foi o que aconteceu em algumas cidades do interior de São Paulo no último apagão.

Embora complementar, é uma energia de fonte renovável, que se habilita a receber créditos de carbono (quando o projeto é certificado, sob aval da ONU, como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).

O governo deveria adiar o leilão de energia marcado para dezembro e esperar pela liberação de licenças ambientais prévias de futuras hidrelétricas. Assim, evitaria que usinas térmicas (especialmente a óleo) dominem este leilão, como ocorreu nos anteriores. Já não há mais sangria desatada no setor.A energia que será licitada é para entrega daqui a cinco anos.Uma espera de mais alguns meses não comprometeria o planejamento da oferta.

OS BANDIDOS

MARINA SILVA

Fazendo do passado passado


Folha de S. Paulo - 23/11/2009

CINCO DIAS separam duas datas. A primeira, 15 de novembro, celebra a proclamação da República. A segunda, 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, homenageia Zumbi dos Palmares. Os cinco dias, porém, representam o atraso de um século.
O fim oficial da escravatura veio com a Lei Áurea, em 13 de maio de 1889. E apesar do esforço abolicionista, a resistência escravocrata era tanta que, além da demora em dar fim à infâmia, não foram tomadas medidas complementares para garantir aos novos cidadãos, os ex-escravos, direitos fundamentais, como moradia, terra ou qualquer tipo de indenização. Foram abandonados à própria sorte, sem nenhuma proteção do Estado. A maioria passou da condição de escravo para a da semiescravidão.
Os grilhões já não eram tão visíveis, mas estavam lá, no estigma deixado pela escravidão, numa estrutura social que aviltou a dignidade dos negros, roubando seus direitos mais elementares. Os libertos eram filhos daqueles que foram feitos brasileiros sem querer, trazidos como rebanho, marcados a ferro, condenados ao trabalho pesado.
A cidadania não veio tampouco com a mudança da Monarquia para a República, um ano e meio depois. Pois a maior parte do pensamento hegemônico ainda não enxergava aquele enorme contingente populacional como integrante legítimo do país. Nem os ex-escravos, aliás, se viam de forma diferente. Eram cidadãos de segunda classe, para dizer o mínimo. Aprisionados pela pobreza, pelo analfabetismo, pelas marcas do passado recente. Com eles, mesmo sem se dar conta, sofria o país, que se construía sobre um alicerce tão mal resolvido, tão injusto, tão limitador. E que até hoje mantém, pela repetição, a marca da injustiça.
Vozes, vidas, dores esquecidas e caladas, história. Os 120 anos de República foram também os anos do cativeiro insepulto, da luta pela verdadeira liberdade. Continua a batalha para reparar o que não foi feito naquela época. Muitos apostaram que o tempo sanaria todas as dores ou as diluiria.
Contudo, o simples passar do tempo não cura. Tais violências, como disse Hannah Arendt, em "A Condição Humana", por serem tão irreversivelmente traumáticas para os indivíduos e para as sociedades, são, citando a expressão de Kant, "ofensas de mal radical".
O povo brasileiro tem atravessado seu próprio deserto. Agora, ainda no esforço para tirar da pobreza enorme parcela da população, o Brasil se ama mais, se conhece mais, se entende melhor. Começa a ver-se como índio, branco, negro, amarelo, caboclo. Tem sido um caminho árduo, demorado. Mas já é um bom começo para comemorar as duas datas.

AMIR KHAIR

Terrorismo monetário

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/09


O mercado financeiro e o Banco Central preveem que a inflação até o final de 2011 fique abaixo do centro da meta de 4,5% ao ano. Apesar disso, as análises do mercado financeiro defendem um aumento da Selic em 2010 e 2011 para níveis superiores a 10% ao ano. Avaliam que a expansão fiscal do governo federal geraria aumento de demanda que superaria a oferta de bens e serviços produzidos no País, causando inflação.

Essa avaliação precisa ser questionada, pois interessa ao mercado financeiro a Selic crescer: além dos maiores lucros com os juros dos títulos do governo federal, aumenta o spread nos financiamentos.

Afirma o mercado financeiro que o forte crescimento econômico irá ultrapassar o produto potencial, ou seja, a máxima capacidade de produção do Brasil sem causar inflação. Ou ainda, quando interessa parar de reduzir a Selic, o argumento mais usado é de que seu efeito sobre a economia leva de 6 a 9 meses para se consolidar.

Caso não procedam essas avaliações, poder-se-ia continuar a reduzir a Selic até níveis compatíveis com a realidade internacional, que têm sido suficientes para manter inflações baixas.

Os benefícios seriam: 1) Redução nas despesas com juros do governo federal em 2% do PIB e queda mais rápida da relação dívida/PIB; 2) elevação dos investimentos das empresas na produção, em vez de aplicação no mercado financeiro; 3) redução dos ganhos de arbitragem do capital externo, reduzindo as perdas no balanço de pagamentos; 4) atenuação do processo de apreciação do real; 5) redução das perdas causadas pela elevação das reservas internacionais, responsáveis neste ano por metade do crescimento da relação dívida/PIB; 6) melhora na redistribuição de renda, pela diminuição das despesas com juros, pagas com um sistema tributário fortemente regressivo; e 7) cairia por terra a tese de que maior crescimento significa maior inflação.

Produto potencial - O produto potencial é estimado por modelos econométricos baseados no histórico de crescimento econômico e na inflação, considerando os fatores que podem limitar o crescimento da produção. Até cinco anos atrás, era de 3%. Como desde 2004 até 2008 a média de crescimento anual foi de 4,8%, sem causar problemas na inflação, foi reestimado para 4% a 5%. Ou seja, em apenas cinco anos a estimativa do produto potencial cresceu 50%!

A falha principal do conceito de produto potencial é que parte do princípio de que a oferta de bens e serviços é feita só pela produção nacional, ou seja, não se teriam importações de bens e serviços. Assim, um crescimento da demanda só poderia ser atendido pela oferta local, que não acompanharia esse crescimento, gerando inflação.

Parecem ignorar que o processo de globalização radicalizou a concorrência internacional, forçando os produtores locais a ofertar produtos em quantidade, qualidade e preço compatíveis com as ofertas de outros países. Foram barateados máquinas, equipamentos, produtos intermediários, produtos finais e serviços. A consequência foi a queda progressiva na inflação mundial. A demanda interna de um país é limitada pelo poder aquisitivo da população e por condições de financiamento do consumo, mas a oferta é praticamente ilimitada, pois é constituída pela produção para o mercado interno do país mais a ofertada internacionalmente.

O caso brasileiro merece destaque dentro deste processo global, pois, a par com a desvalorização internacional do dólar, nossos fundamentos macroeconômicos sólidos, as perspectivas de crescimento do consumo e a manutenção de enorme diferencial entre juros internos e externos fizeram com que a valorização do real fosse maior do que nos outros países, reduzindo ainda mais os preços dos produtos importados e dificultando nossas exportações, que são parcialmente deslocadas para o mercado interno.

Prazo de 6 a 9 meses para surtir efeito a alteração da Selic - Essa afirmativa não tem comprovação teórica ou empírica. É usada como se fosse um axioma matemático ou um dogma religioso. Desconhece-se relação estatisticamente significativa entre essas variáveis, pois são tantos os fatores a influenciar a inflação, e que independem da política monetária, que ocorrem com frequência erros de previsão até para períodos curtos de três meses. Como o horizonte da política monetária é bem superior, os erros de previsão são também maiores.

A possibilidade de ocorrer um processo inflacionário em escala global está ligada ao preço das commodities e dos alimentos, que poderão ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passam a incluir vultosos contingentes de novos consumidores. Apesar disso ter ocorrido durante vários anos antes da crise de setembro de 2008, a inflação mundial pouco se alterou, mostrando a supremacia da concorrência internacional e do crescimento da produtividade na definição dos preços em escala global.

Como conclusão: podemos crescer a taxas superiores a 5% ao ano sem riscos inflacionários e, portanto, sem temor do terrorismo monetário causador do agravamento da distribuição de renda, do déficit das contas públicas, do baixo nível do investimento produtivo e do atraso em nosso desenvolvimento.

Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV, é consultor

JAPA GOSTOSA

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FERNANDO RODRIGUES

Desafio ao Congresso


Folha de S. Paulo - 23/11/2009

O escândalo da vez na política é o uso generalizado de notas fiscais de empresas fantasmas. Dezenas de deputados adotaram a prática ao justificar o emprego de suas verbas indenizatórias de R$ 15 mil por mês, segundo os repórteres Alan Gripp e Ranier Bragon.
A revelação tem relevância por duas razões principais. A mais evidente é comprovar, pela primeira vez, algo há tempos conhecido nos bastidores. Congressistas embolsam dinheiro público destinado exclusivamente a atividades relacionadas ao mandato.
O outro aspecto meritório no caso é o fato de os documentos terem sido obtidos por meio de uma ação ajuizada no Supremo Tribunal Federal. Não houve vazamentos. Tampouco tratou-se de informações de um procurador da República ou técnico do TCU.
Com base no direito constitucional de acesso a informações públicas, a
Folha requereu os dados. O processo se arrastava há meses, embora seu desfecho estivesse claro. O STF acabaria determinando a liberação dos documentos. Ciente desse cenário, o presidente da Câmara, Michel Temer, tomou uma atitude correta e incomum nos meios jurídicos: desistiu de recursos protelatórios, remetendo ao Supremo as notas fiscais referentes ao período demandado.
São cerca de 70 mil recibos para os últimos quatro meses de 2008. O benefício existe desde 2001. A
Folha limitou o escopo do pedido de forma deliberada. Quis eliminar uma recusa sob alegação de ser um volume excessivo de dados.
O caso está só começando. O STF ainda não se pronunciou sobre a liberação das notas fiscais do Senado. O Congresso terá de ser corajoso e fazer uma auditoria real em todas as operações, desde 2001.
Por fim, não será surpresa, mas será um escárnio se ninguém novamente for punido. O Congresso desceria um pouco mais em direção à credibilidade zero.

PAULO GODOY

Um cartão de visitas nada apresentável

O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/11/09


Mesmo com a crise financeira, os aeroportos continuaram a funcionar em alta rotação. Se, de um lado, o transporte aéreo de cargas foi bastante prejudicado, fruto da queda da produção industrial e das exportações, a movimentação de passageiros no sistema aeroportuário brasileiro foi 15,9% maior em agosto, em comparação ao mesmo mês de 2008. No acumulado dos oito primeiros meses do ano, os terminais contabilizaram 5% a mais de passageiros. Nos últimos 12 meses, 2,2% a mais.

Esse desempenho surpreende diante do que ocorreu no mundo no mesmo período, quando o fluxo de passageiros cresceu 0,1% em agosto, diminuiu 5,1% nos oito primeiros meses e caiu 5,1% no acumulado de 12 meses.

Esse crescimento, bem-vindo em qualquer mercado, tem causado problemas aos passageiros que embarcam e desembarcam em aeroportos brasileiros, principalmente na área internacional. O atendimento em alguns dos mais movimentados terminais nos horários de pico está crítico. O Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Guarulhos (SP), é um exemplo incomparável. Nas primeiras horas do dia, quando há acúmulo de chegada de voos internacionais, fica evidente que a capacidade de atendimento é incompatível. As filas na imigração, na alfândega e nas bagagens se alongam e exigem até duas horas de paciência dos usuários - um péssimo cartão de visitas para o turismo e para os negócios. Há relatos semelhantes para o Galeão (RJ) e inclusive para aeroportos recentemente reformados, como Salvador (BA) e Confins (MG).

O sistema aeroportuário, que passou por grave crise entre 2006 e 2007, ainda enfrenta problemas e necessidade de pesados investimentos para melhorar quesitos como capacidade de pistas de pousos e decolagens, sistemas de controle e segurança de tráfego aéreo e condições nos terminais de passageiros. Os investimentos patinam por diversas razões, desde precariedade nos projetos de engenharia, falhas nos processos de licitação, burocracia e até descaso. Neste momento, de imediato, parece ser mais crítico melhorar a qualidade no atendimento e a capacidade dos terminais. Mesmo que sejam conhecidas as limitações físicas dessas áreas, uma gestão mais eficiente pode trazer algum alívio.

Os aeroportos são uma das principais plataformas de negócios e investimentos dos países, imprescindíveis num mundo cada vez mais globalizado, em que os mercados regionais agora são planetários. Os usuários precisam ser tratados com mais segurança, qualidade e agilidade. A capacidade e o espaço físico precisam ser compatíveis com a demanda e as necessidades. As múltiplas responsabilidades e competências que funcionam nos aeroportos precisam ser gerenciadas de forma centralizada. Prêmios por excelência e multas por incompetência precisam começar a ser aplicados. Com essa visão, a solução exige ação em algumas frentes.

Estrutura compatível - É urgente adequar a quantidade de guichês de atendimento ao atual fluxo de passageiros no desembarque internacional, principalmente nos horários de pico. É preciso ter mais máquinas e instrumentos em funcionamento, com recursos humanos em quantidade suficiente e bem treinados, numa mobilização especial para atender à quantidade de usuários. Isso pode diminuir imediatamente o sofrimento atual e preparar a estrutura operacional dos aeroportos para a movimentação extra entre dezembro e janeiro.

Administração centralizada - As instituições públicas que operam nos aeroportos deveriam obedecer a um mesmo comando. Atualmente, sob gerência de ministérios distintos (Fazenda, Defesa, Saúde e Justiça), o atendimento funciona de acordo com regras e recursos próprios de cada um. Os usuários, que têm de percorrer todos esses guichês, sofrem com isso.

Indicadores de qualidade - Tal qual em outros setores de infraestrutura, é crucial estabelecer indicadores para medir a qualidade dos serviços aeroportuários. As reclamações diárias de muitos passageiros precisam ser mensuradas para dar suporte às ações de correção.

Novo modelo - Além da mensuração da qualidade, a sociedade ganharia muito se o setor aeroportuário começasse a funcionar sob as premissas do modelo de concessões, como já ocorre em outros setores da infraestrutura. Toda a prestação de serviço passaria a ser regida por contratos com empresas públicas ou privadas, com metas de investimento, obrigações e penalidades, e fiscalização técnica e independente de uma agência reguladora.

Felizmente, para alguns desses pontos há avanços. Em breve, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deve divulgar um conjunto de indicadores para aferir a qualidade dos serviços, o que será essencial para transformar em números o que hoje são apenas reclamações dos usuários. Paralelamente, o governo federal deve publicar um decreto com diretrizes para as concessões de aeroportos no Brasil, primeiro passo para um novo marco regulatório setorial.

Mas, se essas medidas criam boas perspectivas para o médio prazo, a situação de alguns terminais de passageiros requer solução urgente, principalmente naqueles em que chega a maioria dos visitantes de negócio do Brasil. As horas perdidas em filas não significam somente desconforto e irritação, mas sobretudo uma brutal perda de competitividade da economia brasileira. Nessas condições, os aeroportos contrariam o esforço do governo e das empresas em promover a imagem positiva do Brasil no exterior. Para um país que recebeu a incumbência de realizar uma edição da Copa do Mundo e uma dos Jogos Olímpicos, esse é um cartão de visitas nada apresentável.

Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

COISA DE PINGUÇO

FERNANDO DE BARROS E SILVA

O ocaso de Pitta


Folha de S. Paulo - 23/11/2009

A verdade é que quase mais ninguém se lembrava de que Celso Pitta estava vivo. A surpresa pela morte precoce vem acompanhada por essa outra circunstância -da morte em vida. A última aparição de Pitta que ficou na memória coletiva é sintomática: alvo da operação Satiagraha, foi filmado em casa, preso de pijamas.

Ao longo dos últimos anos, sua figura emergia de quando em quando das profundezas do oceano, onde parecia habitar assustado, sempre associada ao noticiário político-policial ou a escândalos familiares.
A trajetória que o levou do anonimato à glória e desta à ruína está atrelada a Paulo Maluf. Pitta foi o herdeiro e o coveiro do malufismo. Com ele, a engrenagem da máquina malufista entrou em parafuso, conheceu sua autofagia.
Depois do rompimento entre criador e criatura, Maluf costumava contar a seguinte história: "Quando o escolhemos candidato, eu disse para o Pitta: se você for um bom prefeito, vai virar governador, se for um bom governador, pode se tornar o Nelson Mandela brasileiro. Mas o Pitta não soube..." -e blablablá.
Quando, em 1996, passou a prefeitura a Pitta, que derrotou Erundina e Serra, Maluf planejava ser presidente. Acabou derrotado por Covas numa disputa acirrada ao governo, em 1998. Marta Suplicy deve sua eleição em 2000 ao colapso do malufismo e da administração da cidade -obras de Pitta. Lembre-se que Kassab foi seu secretário do Planejamento entre 1997 e 98.
Negro, carioca, economista com mestrado em Harvard, político de direita com perfil tecnocrático, personalidade mansa e apagada, uma figura rica e ao mesmo tempo muito frágil e fraca. Pitta foi empregado de Maluf na Eucatex antes de ser seu empregado na vida pública.
A secura das mensagens de pêsames que a família recebeu mostra o grau do ostracismo em que se achava. Trinta pessoas foram ao enterro. Seria útil contar melhor a vida deste político acidental, que tinha olhar de cachorro abandonado e parecia triste até quando sorria.

PAINEL DA FOLHA

Lavanderia mensaleira

RENATA LO PRETE
Folha de S. Paulo - 23/11/2009

O ministro Joaquim Barbosa determinou ao banco BMG fornecer cópia de nota promissória de R$ 13 mi, emitida em 2004 por Marcos Valério e Rogério Tolentino, e de título de R$ 10 mi em favor da DNA Propaganda, agência do operador do mensalão. O ministro requisitou ainda o dossiê da firma de Tolentino, advogado de Valério. Para especialistas, o objetivo é conferir se documentos apresentados pela defesa para justificar o trânsito de recursos têm lastro ou consistem numa etapa de lavagem de dinheiro.

A determinação ocorreu dias antes de Barbosa afirmar no STF que Valério é "expert" em lavagem, o que levou o empresário a pedir o afastamento do relator do processo sob alegação de prejulgamento.



Em campanha. José Dirceu aproveitou as eleições do PT para defender Ciro Gomes (PSB) como candidato ao governo paulista. "Ele unifica os partidos da nossa base e constrói uma alternativa ao Aloysio Nunes Ferreira, que será o candidato do PSDB aqui".

Subtexto. Dirceu sabe que o candidato do PSDB muito provavelmente será Geraldo Alckmin, mas a declaração faz parte do show.

Madrinha. Marta Suplicy não se manifestou durante a campanha para o diretório paulistano, mas foi votar ontem ao lado do vereador e candidato Antonio Donato.

Apropriação. Henrique Meirelles foi para o PMDB outro dia, mas um comercial de TV já exibe o prédio do BC como uma das capitanias que o partido "administra".

Monograma. Relatório da Receita Federal sobre a contabilidade de partidos mostra que não apenas cabides, mas também toalhas de banho com as iniciais do então presidente do PR, Valdemar Costa Neto, foram pagas com dinheiro da legenda.

Emoções. Um grupo de deputados da oposição conversava no plenário, na semana passada, quando um petista observou o semblante grave dos colegas e perguntou: "Vocês estão emocionados por causa do filme do Lula?". Eduardo Gomes (PSDB-TO) devolveu: "Não, é porque não acreditamos que as nossas emendas serão liberadas!".

Divisa. Quando informou à Justiça Federal que investigava o suposto envolvimento de Cesare Battisti na entrada e saída irregular de estrangeiros do Brasil, em abril de 2007, a PF mencionou também a suspeita de que o terrorista falsificava carimbos usados nos postos de fronteira.

Made in Brazil. Esclarecer as "atividades desenvolvidas em território nacional" por Battisti. Essa foi a justificativa da Procuradoria da República ao endossar o pedido que a PF havia feito à Justiça para ter acesso aos objetos apreendidos no apartamento do italiano logo depois que ele foi preso no Rio de Janeiro.

Fila. Setenta TVs comunitárias se cadastraram para veicular anúncios do governo federal. A decisão de facultar a possibilidade a esse gênero de emissora foi anunciada na semana passada pela Secom, como forma de ampliar a política de pulverização da propaganda oficial.

Classificados. Sem autorização do Senado para comprar o prédio que serviria de sede à embaixada brasileira em Londres, o governo federal gastou quase US$ 170 mil para bancar, entre outras providências, um parecer sobre a situação do imóvel. Na semana passada, chegou ao Itamaraty a notícia de que o proprietário vendeu o edifício a outro interessado.

Motim. Mesmo longe de ser implementada, a proposta de reforma administrativa da FGV está causando alvoroço no Senado. A encrenca da vez é o artigo 82 do relatório, que impede o servidor comissionado de tirar licença-maternidade ou para tratar de assuntos particulares.


com SILVIO NAVARRO e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"Kassab quer fazer o espetáculo do crescimento da arrecadação com a cartola mágica do IPTU e o bolso do contribuinte."


Do vereador JOÃO ANTONIO, líder do PT na Câmara paulistana, sobre o aumento de até 60% no imposto anunciado pela prefeitura para 2010.

Contraponto

Eu garanto! Em almoço de parlamentares da base aliada com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), na semana passada, um deputado mencionou o acidente no Rodoanel e se pôs elencar, de forma provocativa, problemas em obras da gestão tucana em São Paulo.
-Cratera do metrô, Linha 4, viaduto do Fura-Fila...
Presente à mesa, Paulo Maluf (PP) aproveitou a deixa:
-Os meus viadutos nunca caem!
Como estava em território dominado pelos petistas, Maluf não chegou a completar o comentário tal como já havia sido postado em seu Twitter:
-E os meus túneis não alagam!
Os referidos túneis foram obra de Marta Suplicy.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Crescendo e comendo


O Estado de S. Paulo - 23/11/2009
Nove milhões de pessoas voltarão à condição de pobreza em 2009, na América Latina, em consequência da crise financeira - tal é a conclusão de um relatório da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) divulgado na semana passada. É um desastre, sobretudo porque a pobreza atinge mais as crianças e as mulheres.

Mas a mesma Cepal se apressa a dizer que este início de século não é uma década perdida. Ocorre que a América Latina também surfou na onda de crescimento global e obteve um resultado extraordinário: entre 2002 e 2008, nada menos que 41 milhões de pessoas deixaram a pobreza. Para a Cepal, isso foi consequência de quatro fatores: o crescimento econômico mais acelerado; o bônus demográfico (redução da natalidade); mais gasto social; e programas de distribuição de renda.

É difícil saber qual o peso de cada fator, mas arrisco dizer que o crescimento é o essencial. Reparem: na crise, todos os outros três fatores permaneceram em cena, em alguns lugares com elevação dos gastos sociais. O que falta é a expansão econômica.

Esse ciclo aconteceu no mundo todo. O PIB per capita cresceu de maneira acelerada, de modo que nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza nos últimos 20 anos de globalização. A América Latina, portanto, contribuiu com quase 10% desse resultado. A maior contribuição global foi dos asiáticos em geral, da China em especial. De fato, os asiáticos têm conseguido um ritmo de crescimento superior ao dos melhores latino-americanos. Lá, o PIB cresce mais perto dos 10% ao ano. Deste lado, num ano bom, dá 7%. A diferença crucial está no nível de poupança e investimento. Enquanto aqui mal chegamos aos 20% do PIB, nos dois quesitos os asiáticos em geral passam dos 30% e a China, em especial, chega a poupar quase 50% do PIB.

É verdade que todo mundo está dizendo aos chineses que está na hora de eles consumirem mais. Mas seria uma conclusão estúpida dizer que nós, da América Latina, estávamos certos. O problema aqui, especialmente no Brasil, é gastar muito antes de ficar rico.

O milagre do agronegócio - Também deu no noticiário da semana passada: um estudo do Ministério da Saúde mostrou que os brasileiros estão maiores e mais gordos. A subnutrição despencou. Ou seja, não somos famintos, estamos gordos.

Com a notícia, vieram as explicações habituais sobre os maus hábitos alimentares - e que são insuficientes. O fato básico é o seguinte: estamos comendo mais e devemos isso ao agronegócio. A tendência é global. Tem que ver com crescimento econômico e, muito especialmente, com o barateamento dos preços de alimentos.

Em meados da década de 70, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) assustava o mundo com teses segundo as quais o mundo estava entrando numa fase de fome e guerras por comida. Isso porque, dizia-se, a produção de alimentos não dava conta do aumento da população.

Pois aconteceu o contrário: graças à tecnologia (transgenia, biogenética, melhoramento das espécies, fertilizantes, controle da terra, etc.) a produção de alimentos aumentou várias vezes, com ganhos de produtividade. Mas essa potencialidade não teria sido realizada se não houvesse um mercado internacional mais ou menos livre e com tarifas menores para garantir a distribuição e o consumo.

O Brasil esteve na ponta desse processo. Nos anos 70, por exemplo, não tinha soja no Centro-Oeste. Alguns diziam que era impossível plantar ali. Mas novas variedades de plantas e novas técnicas ampliaram a fronteira agrícola. Idem para o boi. Antes, levava-se mais de ano para engordar o boi. Hoje, com poucos meses já está no abatedouro.

Há 40 anos, o Barão de Itararé saiu com esta: quando pobre come frango, um dos dois está doente. O frango era o prato especial do almoço de domingo. Hoje é uma espécie de "commodity" da alimentação popular.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) teve papel crucial nessa história brasileira, apoiada por investimentos e pesquisas de companhias agrícolas e dos produtores brasileiros que se espalharam pelo País. Houve, assim, a combinação correta: mercado, investimentos, tecnologia, ganhos de produtividade, mais alimentos e preços menores. E ocorreu que esses alimentos industrializados que ficaram mais baratos são mais gostosos e mais calóricos. Um trabalhador come uma salada e é como se tivesse tomado um copo de água. Um baita hambúrguer sai mais barato e alimenta mais.

Sim, o pessoal engordou, mas não se deve tirar daí a conclusão estúpida de que se deve dificultar a vida dos produtores desses alimentos. E muita gente, inclusive no atual governo, se dedica a isso: atrapalhar o agronegócio.

Sim, devemos comer mais saladas e mais peixe, mas para isso é preciso aumentar a produção e baratear o preço. Quem sabe estimular a invenção de tomates e alfaces transgênicos e a instalação de fazendas de peixe.

Cuidado com o prefeito - As ruas do Brás, no centro de São Paulo, estavam uma porcaria. Os lojistas da região juntaram R$ 300 mil e gastaram tudo em melhorias urbanas. Claro que tiveram de pedir autorização para a Prefeitura e superar as inúmeras barreiras burocráticas postas pelos funcionários. Mas praças e ruas ficaram arrumadas, limpas e bonitas. Todos os imóveis da região, claro, se valorizaram. Um prêmio pelo investimento feito. Aí vem o prefeito Kassab e diz: esse prêmio é meu. E decreta: valorizou o imóvel, tem de pagar mais imposto para a Prefeitura.

Portanto, caro leitor, cara leitora, cuidado: não arrumem a calçada, não limpem as ruas, não cuidem das árvores e jardins públicos, não pintem a fachada dos prédios e, sobretudo, nem pensem em fazer reformas urbanas. O prefeito está de olho e vai tomar uma grana se a sua rua ficar muito boa.

GOSTOSA

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BRASIL S/A

Tóxicos banidos

CORREIO BRAZILIENSE - 23/11/09


Ainda que a ação coordenada entre o BC e a CVM venha depois de arrombada a porta, ela é muito importante

O Banco Central está empenhado até o pescoço em uma ação para banir do país os chamados “derivativos tóxicos”, operações no mercado futuro de dólar que levaram gigantes como a Sadia, Aracruz Celulose e Votorantim a um passo de quebrarem no auge da crise mundial, no fim do ano passado.

Um grupo de técnicos coordenados pelo diretor de Normas do BC, Alexandre Tombini — candidatíssimo ao posto de presidente da instituição, caso Henrique Meirelles saia candidato ao governo de Goiás em 2010 —, trabalha pesado para fechar todas as brechas na lei que hoje permitem que empresas e bancos assumam riscos além da conta e sem que os órgãos reguladores tenham noção do tamanho do perigo.

O trabalho vem sendo feito em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela fiscalização das companhias listadas em bolsa de valores, justamente as que mais recorreram aos derivativos como forma de bombar os resultados para impressionar seus acionistas por meio do pagamento de elevados dividendos (rateio de parte dos lucros). Estima-se que mais de 80% dos prejuízos de US$ 10 bilhões contabilizados com derivativos tóxicos em 2008 foram registrados por empresas e bancos com ações negociadas no mercado.

Tais operações só se tornaram públicas quando a cotação do dólar bateu em R$ 2,50, fazendo sangrar companhias até então tidas como exemplos de solidez. Irresponsáveis, apostaram o que podiam e o que não podiam na valorização do real frente à divisa americana. A maioria dos contratos era de gaveta, ou seja, fechados no mercado de balcão, do qual os reguladores estão distantes.

Especulação de volta

No governo, acreditava-se que as empresas tinham aprendido a lição — a Sadia foi comprada pela Perdigão; a Aracruz se agarrou ao grupo Votorantim que, por sua vez, foi obrigado a vender 49% de seu banco, o financiador de várias operações, ao Banco do Brasil. Mas não foi o que aconteceu. Antes mesmo de o estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos completar um ano, em setembro último, tanto o BC quanto a CVM constataram que várias empresas haviam voltado a especular com derivativos tóxicos, incentivando a formação de bolhas no mercado cambial.

“Infelizmente, percebemos que empresas e bancos só se impõem limites se as autoridades reguladoras apertam o cerco. Se estão livres, deixam o bom senso de lado, visando somente o aumento dos lucros”, resume, de forma clara, um técnico do BC. Por isso, acrescenta ele, há pouco mais de uma semana, o BC baixou a Circular nº 3.474, obrigando empresas e bancos que tomam empréstimos no exterior, com cláusulas que embutem riscos de oscilações dos mercados, a registrarem os contratos em uma câmara de compensação (clearing). Com isso, o BC dará visibilidade a operações que antes ficavam sob um perigoso sigilo. Estima-se que somente essas transações movimentem US$ 35 milhões por mês.

Sem maquiagem

Para reforçar o controle, a CVM vai exigir que, a partir de 2010, todas as empresas que emitem valores mobiliários, não só as que têm ações em bolsa, passem a explicitar a totalidade das operações com derivativos em seus informativos anuais (IAN). Além de detalharem todos os riscos que estão correndo com essas transações e os impactos que elas podem causar em seus resultados, as companhias terão que justificar por que optaram por recorrer a tais instrumentos e revelar quais os mecanismos usados para monitorá-los. Todos os dados constarão de um formulário específico, de forma que os investidores, por mais leigos que sejam, saibam os riscos que estão correndo ao comprar papéis dessas empresas.

No auge da crise, a CVM passou a exigir das companhias listadas em bolsa, em seus balanços trimestrais, uma análise de sensibilidade dos riscos apresentados por operações com derivativos. Agora, as informações serão replicadas nos demonstrativos anuais, numa linguagem clara, inclusive para que se possa responsabilizar os executivos que aprovaram os negócios.

Na Sadia, por exemplo, descobriu-se que um diretor e um gerente da área financeira tinham autonomia demasiada para assumir riscos e, pior, que eles manipulavam dados para não dar a dimensão exata dos perigos a que a empresa estava exposta. Pelos contratos com os bancos, para cada centavo de valorização do dólar ante o real, a Sadia tinha que pagar em dobro. Resultado: a companhia perdeu US$ 2,5 bilhões com derivativos tóxicos.

Memória curta

Ainda que a ação coordenada entre o BC e a CVM venha depois de arrombada a porta, ela é muito importante. É em momentos de euforia, como o que vivemos atualmente, em que todos alardeiam o fato de o Brasil ter saído mais forte da crise e de estar recebendo uma enxurrada de dólares, que se tende a relevar os riscos. Se empresas, bancos e o mercado em geral têm memória curta, os órgãos reguladores e fiscalizadores têm a obrigação, a todo momento, de lembrar que não permitirão abusos. Nem que para isso tenham de apertar a lei ao extremo.
Vicente Nunes é repórter especial e blogueiro

DENIS LERRER ROSENFIELD

Ahmadinejad e os direitos humanos

O ESTADO DE SÃO PAULO - 23/11/09


A diplo-MÁ-cia brasileira segue o seu curso acelerado em direção ao não-reconhecimento dos direitos humanos, embora às vezes se compraza em dizer que faz precisamente o contrário. A visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, é mais um exemplo da omissão diplomática que beira a hipocrisia. Ela é posterior, por exemplo, ao constrangedor silêncio em relação a Darfur, no oeste do Sudão, onde tribos negras, não-muçulmanas, são massacradas por um governo islâmico radical, genocida. Trata-se de um genocídio em pleno século 21, com o qual o governo não deixa de pactuar, também em nome de conversas de "bastidores", supostamente mais eficazes. Os mortos que o digam! Enquanto isso, os assassinatos em massa prosseguem, com mais de 200 mil pessoas eliminadas, além das que são mutiladas por toda a vida. Na comemoração do Dia da Consciência Negra, essa é uma bandeira que deveria ter sido levantada com força, em nome da condenação mais enérgica do extermínio dessas tribos negras africanas.

A vinda de Ahmadinejad se faz, precisamente, depois de uma "eleição" condenada nacional e internacionalmente por ter sido fraudada, até por aiatolás do próprio regime, inclusive um ex-presidente e um ex-primeiro-ministro. Mesmo eles se insurgiram contra a guinada cada vez mais totalitária do regime, procurando, assim, distinguir duas formas de islamismo: o radical, de tendências totalitárias, e o que não o é. Foram escorraçados, menosprezados, e alguns de seus aliados e parentes, torturados e assassinados. Os clamores foram gerais, com a população ousando ir às ruas para protestar. E o fez com coragem, porque teve de se enfrentar com a famigerada "Guarda Revolucionária", uma espécie de SS do governo iraniano. Enquanto isso, o presidente Lula contentou-se em dizer que se tratava de um mero jogo de futebol, com os perdedores chiando por sua derrota. É uma afronta aos que, lá, lutam pela democracia, pelas liberdades.

O presidente iraniano tem em seu currículo, que mais se aproxima de uma folha corrida, uma série de declarações e atitudes que bem ilustram sua mentalidade totalitária. Não cessa de declarar a "inexistência do Holocausto judeu", que eliminou 6 milhões de pessoas, apenas por pertencerem a outro credo religioso. Prega a eliminação do Estado de Israel, imiscuindo-se diretamente nos conflitos do Oriente Médio, armando e financiando o Hamas e o Hezbollah, que compartilham a mesma ideologia. Aliás, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, condena energicamente essa ingerência na Faixa de Gaza. Deve-se, aqui, distinguir a recepção feita ao presidente da Autoridade Nacional Palestina, homem de paz e diálogo, que em tudo se diferencia do presidente iraniano. Misturar as duas coisas só pode ser fruto de desconhecimento ou de má-fé, sendo esta última alternativa a mais provável.

As perseguições feitas pelo governo Ahmadinejad atingem com força a Comunidade Bahá"i, pelo simples fato de se tratar de um credo religioso que diverge da religião oficial. O governo teocrático do Irã não suporta a divergência, a oposição, tudo identificando com condutas "desviantes", que devem ser eliminadas em nome da "saúde", da "pureza" política de seu regime. Comportamentos "desviantes" são também os dos homossexuais, objeto de condenações e perseguições, que bem revelam a natureza totalitária do regime dos aiatolás, avesso à tolerância religiosa, moral e política. As mulheres, igualmente, são consideradas seres inferiores, que não podem dispor da sua capacidade de livre escolha, devendo submeter-se a líderes religiosos que impõem seus códigos de conduta. Deve-se ressaltar que antes da chegada dos aiatolás ao poder as mulheres iranianas gozavam uma liberdade muito maior, a situação atual configurando um claro retrocesso.

Ora, é esse regime que o governo brasileiro toma por digno de acolhimento e, além do mais, considerando tudo o que se passa naquele país como sendo um mero produto de simples disputas internas. O nosso presidente ainda chegou a dizer que o projeto nuclear iraniano é "pacífico", por acreditar simplesmente na palavra de Ahmadinejad. Pode-se acreditar na palavra de uma pessoa que nega fatos históricos? Pode-se acreditar na palavra de uma pessoa que frauda as eleições em seu país? Pode-se acreditar na palavra de uma pessoa que elimina a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral? Pode-se acreditar na palavra de uma pessoa que impõe as suas decisões por intermédio de sua polícia política, sua SS, sua "Guarda Revolucionária"?

Procurar respaldar a diplo-MÁ-cia brasileira em nome de uma suposta não-ingerência em assuntos internos de outro país é mais uma hipocrisia manifesta, pois é isso, precisamente, que o Brasil está fazendo em Honduras, com a embaixada transformada em foco de insurgência bolivariana, também ela de corte totalitário. Contra todos os tratados internacionais, a embaixada concedeu não um "refúgio" a Manuel Zelaya, mas lhe ofereceu um quartel-general a partir do qual as diretrizes de Hugo Chávez são propagadas pelo mundo, graças à TeleSur, também lá instalada. A incoerência diplomática é patente no momento em que eleições constitucionalmente estipuladas, antes mesmo da deposição de Zelaya, estão para ser realizadas. A fraude eleitoral no Irã é elogiada, é assunto interno, enquanto as eleições hondurenhas são condenadas. Parece que a nossa diplo-MÁ-cia tem uma afinidade eletiva com regimes totalitários, algo nunca antes visto em nossa história diplomática. O tal do diálogo Sul-Sul nada mais é do que uma máscara que vela uma opção pelo desrespeito progressivo a escolhas democráticas e aos direitos humanos. Se esse é o preço a ser pago por um assento no Conselho de Segurança da ONU, a pergunta que se impõe é a seguinte: vale o preço?

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

JAPA GOSTOSA

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RUY CASTRO

Dilemas

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/09

RIO DE JANEIRO - A mão de Thierry Henry conduzindo a bola, a resultar no gol que classificou a França para a Copa do Mundo de 2010, tem permitido aos franceses praticar seu esporte favorito: a discussão ética, moral, filosófica. No caso, discute-se em Paris se a lisura, a verdade e o direito não seriam mais importantes do que a vibração nacional pelo resultado do jogo, aliás, imerecido.
Na França, toda discussão contrapõe teoria e prática, pensamento e ação, ideal e realidade. Já era assim na Revolução de 1789, em que o dístico "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" foi esculachado de saída e, mais ainda, durante o Terror (1792-1794). As poucas cabeças que escaparam da guilhotina se perguntavam se não havia ali uma contradição em termos. Sem falar na discussão mais profunda, sobre se liberdade e igualdade seriam politicamente compatíveis.
Na Segunda Guerra, a mesma coisa: como a Alemanha poderia ter ocupado o país com uns poucos soldados e agentes sem um alto colaboracionismo do povo francês? Estabelecido tal colaboracionismo, os pensadores, entre eles Jean-Paul Sartre, extrapolaram para perguntar o que seriam a covardia, o oportunismo e, no geral, a natureza humana.
O mesmo Sartre, em 1947, foi convidado pela Gallimard a escrever um pequeno prefácio para uma edição da poesia de Baudelaire. Sartre aceitou e sentou-se para escrever. Mas se empolgou e, quando se levantou da cadeira, tinha produzido mil páginas sobre a "alteridade" do poeta. O jeito foi a Gallimard publicar seu texto como um ensaio gigante e incluir no fim a obra de Baudelaire -como apêndice.
Isso explica um habitual dilema dos franceses a respeito de alguma novidade que lhes caia às mãos, seja um conceito, seja um objeto: "Na prática, funciona. Mas funcionará na teoria?".

RICARDO NOBLAT

Quem planta colhe

O GLOBO - 23/11/09


O governo Lula tem nas mãos dois pepinos de bom tamanho — e um terceiro de passagem. Os dois dos quais não se livrará tão cedo: Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras, há 60 dias hospedado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, e Cesare Battisti, condenado na Itália por quatro assassinatos, recolhido a uma penitenciária de Brasília.

O terceiro pepino é de longe o mais ilustre e também o mais polêmico — Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, famoso por ter negado o Holocausto de seis milhões de judeus durante a 2aGuerra Mundial.

Se dependesse dele, Israel já teria sido varrido do mapa. Detestado pela comunidade internacional, tratado como um pária, Ahmadinejad ficará 24 horas entre nós . Isola ! Aproxime-se para lá! Lula foi o único presidente de país importante que se apressou em considerar legítima a recente reeleição de Ahmadinejad. O momento em que procedeu assim coincidiu com a denúncia de que a reeleição fora fraudulenta.

Milhares de pessoas saíram às ruas de Teerã em sinal de protesto.

Foram reprimidas duramente pelas forças de segurança do regime fundamentalista dos aiatolás.

Ahmadinejad é grato a Lula.

O Brasil será o primeiro país ocidental a recepcionálo depois de sua nova posse. A visita foi planejada para deixar a impressão de que Ahmadinejad não é tão feio como parece. Ele se reunirá com senadores e deputados no Congresso, visitará uma universidade de Brasília, dará uma entrevista coletiva e repetirá que o programa nuclear iraniano tem fins pacíficos — assim como o nosso.

Com o apoio dos Estados Unidos, Honduras realizará eleições gerais no próximo domingo. Se os hondurenhos não seguirem a ordem de Zelaya para ficar em casa, se atentados terroristas não causa rem grandes danos e se observadores internacionais derem testemunho da limpeza do processo eleitoral, a posição do governo brasileiro se tornará insustentável a longo prazo. Em tempo: duas bombas explodiram na madrugada de ontem na capital.

O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, antecipou que o Brasil desconhecerá os resultados das eleições hondurenhas porque Zelaya não foi reconduzido ao seu cargo. Zelaya e Roberto Micheletti, presidente de fato de Honduras, assinaram um acordo sob o patrocínio do governo americano que prevê o exame pelo Congresso da restituição do poder a Zelaya e a aceitação dos resultados das eleições.

O acordo não fixou uma data para que o Congresso decida o destino de Zelaya. Isso deverá ocorrer depois de proclamados os resultados das eleições e conhecido o futuro presidente, que tomará posse no final de janeiro.

O acordo não obriga o Congresso a reempossar Zelaya. O Brasil em nada contribuiu para resolver a crise hondurenha. Se ela acabar sem a volta de Zelaya ao poder, só nos restará um hóspede incômodo.

Sempre se poderá dizer que Zelaya foi um pepino jogado no colo de Lula pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Battisti, não. Foi um pepino que o PT jogou no colo de Lula. E que ele acolheu satisfeito. A psicanálise talvez ajude a explicar o comportamento do PT e de Lula. O PT perdeu sua identidade como partido de esquerda. Ela lhe faz falta às vésperas de eleições.

De sua parte, Lula deve reconhecer que maltratou demais o PT.

O governo jogou pesado e à sombra para arrancar do Supremo Tribunal Federal (STF) a bizarra sentença produzida na semana passada.

Battisti cometeu crimes comuns na Itália e não políticos como entende o governo brasileiro. Seu refúgio é ilegal. Ele deve, portanto, ser extraditado.

Mas caberá a Lula a última palavra. Ora, para que serve um tribunal que terceiriza o seu julgamento? Foi a maior patacoada da história do STF.

Battisti só poderá ficar no Brasil na condição de asilado político. O governo terá de dizer que ele correrá perigo se for extraditado. Na Itália, um país democrático, isso soará como uma afronta.

E será, de fato, uma grave afronta.

GOSTOSAS DO TEMPO ANTIGO

TODA MÍDIA

AINDA HÁ VIDA

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/09


Via agências, Copenhague já confirma 65 "líderes mundiais" na conferência de clima, inclusive Brasil e Indonésia, mais Alemanha, França, Japão. Nada de EUA e China, os maiores emissores.
O "New York Times" publica que, "faltando menos de três semanas, uma rápida sucessão de países revela planos nacionais que servem de apostas iniciais". O jogo começou quando "o Brasil prometeu redução de cerca de 40% nas emissões até 2020". Seguiram-se Rússia com 25% e Coreia do Sul com 30%. O "El País" fez a mesma lista e publicou o título "Ainda há vida em Copenhague"; antes, do correspondente Juan Arias, "Brasil será líder na cúpula". Também a "Forbes", em análise, saudou o "avanço ambiental do Brasil", com a promessa e a redução no desmatamento.
De todo modo, lembra o "NYT", "se nem EUA nem China se comprometerem, os planos de emissores menores terão pouco efeito prático".

A LONGO PRAZO, 80%
O site do "Washington Post" entrevistou a ex-ministra Marina Silva, "a cruzada da Amazônia". Na capital americana, ela elogiou o início do debate sobre clima no Congresso, com atraso de dez anos. Mas avisou que "os países industrializados serão instados a uma redução de 80% até o meio do século".

"BILATERAL"
A nova "Newsweek" afirma que Copenhague "não vai alcançar consenso" e sugere que os país sigam o exemplo de Arnold Schwarzenegger, governador da Califórnia, e façam acordos bilaterais como ele assinou com "Amazonas e seis outros Estados do Brasil", comprando eventual corte no desmatamento.


E CONTINUA
O "El País Semanal" dedicou 11 páginas ao Brasil, com o enunciado "O gigante desperta". Em suma, escreve que Lula quer aproveitar a "ocasião histórica" do pré-sal "para acabar com a pobreza de seu país e para financiar a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016".
Por outro lado, ontem também, "Contratempo para a Telefônica", sobre a entrada da francesa Vivendi na área antes dominada pela ex-estatal espanhola.


DE DETROIT PARA CAMAÇARI
Ecoaram no final da semana, da agência Xinhua à Dow Jones, os US$ 2,3 bilhões de investimento da Ford no país. "Detroit News" e "Free Press", os jornais da sede da montadora, deram títulos como "Ford vai gastar para se expandir no Brasil", sendo "mais da metade em Camaçari, na Bahia, e em Horizonte, no Ceará"

CAMINHÕES ETC.
O "Financial Times" destaca que a montadora alemã MAN agora "quer crescer nos Brics e comprou o maior negócio de caminhões do Brasil, 25% da maior fábrica de caminhões da China e lançou uma joint venture na Índia".
E o francês "La Tribune", com eco pela France Presse, noticia que a fábrica de pneus Michelin "anunciou nova fábrica no Brasil", em Resende, "perto do Rio de Janeiro".

"BOOM" TAMBÉM
O americano "Christian Science Monitor", em levantamento com "urbanologistas", elaborou uma lista das "próximas cidades a explodirem" nesta "era de comércio global". Além das esperadas Xangai e Mumbai, a chinesa Beihai e a indiana Ghaziabad. Mais Istambul, na Turquia, e São Paulo, no Brasil.

BRICS, BRICS
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, deu longa entrevista ao "FT", defendeu investimento no Brasil e foi questionado sobre quais seriam os próximos "lugares quentes no mundo, além de China, Índia e Brasil". Citou um só, pelo nome, a Rússia. Mas registrou que "alguns outros na América Latina podem contribuir".

OCIDENTAL
O blog financeiro Seeking Alpha postou duas análises, partes 1 e 2, sob o título comum "Futuro brilhante para a Petrobras e o Brasil". Diz que Lula "não é a reencarnação de Fidel" e que "é incrível o que o bom senso e o pragmatismo podem alcançar".
No segundo texto, sublinha declaração de Dilma Rousseff, "respeitamos contratos, somos parte do Ocidente".


EUA E A VISITA
No alto da Folha Online, "Manifestantes no Rio rejeitam visita do presidente do Irã e criticam Lula".
No "WSJ", o correspondente John Lyons escreveu no fim da semana que "A nova estatura do Brasil é ameaçada pela visita de Ahmadinejad". Cita críticas, no caso, "em Washington, azedando a relação de amizade que parecia prometer um período de cooperação sem precedentes na América Latina". Encerra dizendo que, "por outro lado, o Brasil pode ganhar aplauso internacional se usar a visita para cobrar Ahmadinejad a ceder aos controles de enriquecimento de urânio defendidos pelos EUA".

JOSÉ SERRA

Visita indesejável

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/09


O mesmo país que tentou oferecer segurança e consolo a vítimas do Holocausto estende honras a quem banaliza o mal absoluto?

É DESCONFORTÁVEL recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura e firmamos na Constituição de 1988 os ideais de democracia e direitos humanos. Uma coisa são relações diplomáticas com ditaduras, outra é hospedar em casa os seus chefes.
O presidente Ahmadinejad, do Irã, acaba de ser reconduzido ao poder por eleições notoriamente fraudulentas. A fraude foi tão ostensiva que dura até hoje no país a onda de revolta desencadeada. Passados vários meses, os participantes de protestos pacíficos são brutalizados por bandos fascistas que não hesitam em assassinar manifestantes indefesos, como a jovem estudante que se tornou símbolo mundial da resistência iraniana. Presos, torturados, sexualmente violentados nas prisões, os opositores são condenados, alguns à morte, em julgamentos monstros que lembram os processos estalinistas de Moscou.
Como reagiríamos se apenas um décimo disso estivesse ocorrendo no Paraguai ou, digamos, em Honduras, onde nos mostramos tão indignados ao condenar a destituição de um presidente? Enquanto em Tegucigalpa nos negamos a aceitar o mínimo contacto com o governo de fato, tem sentido receber de braços abertos o homem cujo ministro da Defesa é procurado pela Interpol devido ao atentado ao centro comunitário judaico em Buenos Aires, que causou em 1994 a morte de 85 pessoas?
A acusação nesse caso não provém dos americanos ou israelenses. Foi por iniciativa do governo argentino que o nome foi incluído na lista dos terroristas buscados pela Justiça. Se Brasília tem dúvidas, por que não pergunta à nossa amiga, a presidente Cristina Kirchner?
Democracia e direitos humanos são indivisíveis e devem ser defendidos em qualquer parte do mundo. É incoerente proceder como se esses valores perdessem importância na razão direta do afastamento geográfico. Tampouco é admissível honrar os que deram a vida para combater a ditadura no Brasil, na Argentina, no Chile e confratenizar-se com os que torturam e condenam à morte os opositores no Irã. Com que autoridade festejaremos em março de 2010 os 25 anos do fim da ditadura e do início da Nova República?
O extremismo e o gosto de provocação em Ahmadinejad o converteram no mais tristemente célebre negador do Holocausto, o diabólico extermínio de milhões de seres humanos, crianças, mulheres, velhos, apenas por serem judeus. Outros milhares foram massacrados por serem ciganos, homossexuais e pessoas com deficiência. O Brasil se orgulha de ter recebido muitos dos sobreviventes desse crime abominável, que não pode ser esquecido nem perdoado, quanto menos negado. O mesmo país que tentou oferecer um pouco de segurança e consolo a vítimas como Stefan Zweig e Anatol Rosenfeld agora estende honras a alguém que usa seu cargo para banalizar o mal absoluto?
As contradições não param por aí. O Brasil aceitou o Tratado de Não Proliferação Nuclear e, juntamente com a Argentina, firmou com a Agência Internacional de Energia Atômica um acordo de salvaguardas que abre nossas instalações nucleares ao escrutínio da ONU. Consolidou com isso suas credenciais de aspirante responsável ao Conselho de Segurança e expoente no mundo de uma cultura de paz ininterrupta há quase 140 anos com todos os vizinhos. Por que depreciar esse patrimônio para abraçar o chefe de um governo contra o qual o Conselho de Segurança cansou de aprovar resoluções não acatadas, exortando-o a deter suas atividades de proliferação?
Enfim, trata-se da indesejável visita de um símbolo da negação de tudo o que explica a projeção do Brasil no mundo. Essa projeção provém não das ameaças de bombas ou da coação econômica, que não praticamos, mas do exemplo de pacifismo e moderação, dos valores de democracia, direitos humanos e tolerância encarnados em nossa Constituição como a mais autêntica expressão da maneira de ser do povo brasileiro.


JOSÉ SERRA, 67, economista, é o governador de São Paulo. Foi senador pelo PSDB-SP (1995-2002) e ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando Henrique Cardoso) e prefeito de São Paulo (2005-2006).