quarta-feira, outubro 21, 2009

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

Os festeiros zombam dos que pagam a conta da gastança

21 de outubro de 2009

Não por terem atropelado alguma lei, mas porque mentiram, Ted Kennedy não chegou à presidência dos Estados Unidos, Richard Nixon foi despejado da Casa Branca e Bill Clinton quase teve o mandato amputado. Coisa de gente colonizada por puritanos, murmuram os brasileiros espertos. Pode ser. Mas também é coisa de quem sabe que, num regime democrático, o povo manda. Se um funcionário público mente, perde a confiança do patrão. Se não se comporta direito, perde o emprego. Os americanos, como todos os habitantes dos demais países civilizados, sabem disso. Os brasileiros nem desconfiam.

Se ao menos desconfiassem, já teriam ordenado aos festeiros do São Francisco que calassem a boca e devolvessem o dinheiro tungado. O passeio que manteve a turma longe do trabalho por três dias úteis custou R$ 400 mil. O governo não é uma entidade lucrativa. Todas as despesas são bancadas pelos pagadores de impostos. Essa foi mais uma. Pois os delinquentes não só se recusam a pedir desculpas como prometem reprisar a afronta quando e onde desejarem.

Não foi uma inspeção de obras. Foi uma sequência de comícios. Segundo a lei, isso só poderia acontecer depois de 5 de julho de 2010. O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, não fez mais que enxergar o vale-tudo. Foi convidado por Marco Aurélio Garcia, uma abjeção homiziada no Planalto, a manifestar-se apenas nos autos dos processos. Tarso Genro, um bacharel de grotão que desonra o Ministério da Justiça, autorizou o presidente infrator a continuar delinquindo.

Se mentira desse cadeia, todos estariam condenados à prisão perpétua. Excitados pela sensação de impunidade, já passaram ao furto ostensivo. O ministro Guido Mantega confessou há dias o desvio de R$ 3 bilhões das restituições do Imposto de Renda para socorrer o caixa esvaziado pelos pródigos incuráveis. Lula desmentiu a confissão com outra mentira, prontamente avalizada pelo subalterno. O golpe só mudou de cara. Em vez de simplesmente adiar a restituição, a Receita Federal resolveu obstruir o caminho do pagamento com cobranças impertinentes, dúvidas improcedentes e outros truques cafajestes. Enquanto esperam, os homens comuns continuam extorquidos pela retenção do imposto na fonte. Não faltou verba para a gastança no São Francisco.

O brasileiro padrão não sabe que é o patrão do país, que é dono do próprio destino e que o empregado é o governo. Enquanto acreditar na existência de homens providenciais, será enganado até por oportunistas que não sabem ler nem escrever.

MIRIAM ABRAMOVAY E JORGE WERTHEIN

Para além dos puxões de cabelo


O Estado de S. Paulo - 21/10/2009
O pacato município de Araçariguama, a 50 quilômetros da cidade de São Paulo, foi parar nas manchetes dos jornais no último dia 16 de setembro. O motivo deixou espantados os 13 mil habitantes da cidade: duas garotas se engalfinharam na porta de uma escola, enquanto a mãe de uma delas estimulava a filha a bater na colega.

A cidadela de nome quase impronunciável, ainda que ostente 90% de taxa de alfabetização, enfrenta problemas semelhantes aos de cidades maiores, como a violência entre estudantes. Há pouco mais de dois meses, em Ribeirão Preto, também no interior de São Paulo, 13 meninas com idade entre 11 e 15 anos prestaram depoimento no Ministério Público Estadual por serem suspeitas de integrar o "Bonde do Capeta", grupo de alunas da sétima série de uma escola estadual na periferia da cidade. As jovens ter-se-iam reunido para ameaçar e estapear colegas mais bem-vestidas e com notas melhores.

Têm sido cada vez mais frequentes episódios como esses, que envolvem estudantes do sexo feminino em atos de violência física, microviolências e violências simbólicas. Quando se trata de violência escolar, um ponto fundamental para compreender sua dinâmica está justamente nas relações de gênero e seus significados. Se o ensino no Brasil esteve historicamente dominado por estudantes do sexo masculino, a proporção de mulheres no meio estudantil vem crescendo a partir do século 20 e, nos últimos anos, chegou a ultrapassar o número de homens. Não é de espantar, portanto, que elas, agora em maior número, comecem a figurar nas estatísticas também como perpetradoras de atos de violência.

Os grupos constroem códigos de diferenciação nos seus processos de identidade e sair do anonimato, ter visibilidade numa sociedade em que tudo é um espetáculo, traz visibilidade e empoderamento, o que inclui interações violentas, transgressões. As análises das relações entre masculinidade e violência demonstram que valores como "controle" e "rivalidade" são atributos socialmente entendidos como próprios dos homens. O masculino pode afirmar-se ao encarnar a posição de poder, desafiando a autoridade estabelecida e atribuindo a si mesmo a figura de representante de uma lei simbólica. Ser destemido e valente corresponde, portanto, a uma representação corrente do masculino, valorizada socialmente. E a relação do feminino com as diversas violências existentes demonstra que as mulheres não são "essencialmente pacíficas" e os homens, obrigatoriamente violentos.

Embora as estatísticas indiquem que ainda são os homens, principalmente os jovens, os que mais matam e morrem em decorrência da violência nas cidades brasileiras, as condutas violentas femininas também merecem atenção. As violências de autoria feminina não tendem a ser, porém, interpretadas nos mesmos termos das cometidas pelos homens. Se as representações hegemônicas sobre as mulheres historicamente as localizaram no território da passividade, da fragilidade e da candura, a participação delas no registro da violência chega a ser tratada como um desvio e mesmo uma atitude antinatural.

Apesar de as violências femininas de um modo geral causarem espanto, nota-se que a marca de geração tende a ser um ponto fundamental no tipo de percepção que se tem sobre essas agressões. O recente estudo Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas, lançado há poucos meses sob os auspícios da Secretaria de Educação do Distrito Federal e da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), traz dados interessantes a esse respeito. Ele mostra, por exemplo, que 49,5% do segmento estudantil expõe a percepção de que, apesar das brigas de meninas, os meninos seriam os mais violentos. Já os professores apresentam ponto de vista que tende a recusar a existência de diferenciação de gênero - 51,2% afirmaram não haver diferença nesse caso.

Enquanto as violências masculinas parecem ser entendidas como fruto de uma sociabilidade agressiva inata ou disputas espetaculares em torno de posições de autoridade, as agressões de meninas são frequentemente percebidas como derivadas de motivações fúteis: inveja, ciúme e fofoca. Outra situação recorrente seriam as disputas por namorados. As formas de brigar também aparecem como tipicamente femininas: tapas, arranhões ou puxões de cabelo. No entanto, há depoimentos que atestam o fato de atualmente as adolescentes estarem cada vez mais se aproximando da maneira masculina de agredir. O leque de técnicas de agressão corporal se estaria ampliando, assim como os próprios acessórios utilizados, armas de fogo entre eles.

Diante de semelhante diagnóstico, alguns talvez temam pelo futuro das escolas ou de seus filhos nessas escolas. Está, no entanto, justamente nas escolas grande parte da solução para o problema da violência entre estudantes. Afinal, as instituições de ensino têm papel crucial no estabelecimento de práticas não-discriminatórias, permitindo que as habilidades sejam trabalhadas em todo o seu potencial, sem que modelos arcaicos de gênero restrinjam o leque de possibilidades de meninos e meninas, ao mesmo tempo que salientam as melhores características em cada um.

A escola pode, ainda, comprometer-se com a desconstrução de um imaginário social que associa diversas violências às noções de virilidade e masculinidade, evitando que essa simbologia viril imprima às agressões o caráter de afirmação de identidade tanto de garotos quanto de garotas. É preciso, enfim, oferecer aos jovens estudantes formas alternativas de reconhecimento social. Afinal, uma vez no mercado de trabalho, não poderão resolver conflitos na base de socos, pontapés ou puxões de cabelo.

Miriam Abramovay, socióloga, pesquisadora, é coordenadora da pesquisa Convivência Escolar e Violências nas Escolas da Ritla, entre outras atividades Jorge Werthein, doutor em Educação pela Stanford University, ex-representante da Unesco no Brasil, é vice-presidente da Sangari Brasil

APARELHAMENTO

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Lavanderia eleitoral


Folha de S. Paulo - 21/10/2009

O mais provável é que o imbróglio em torno da cassação de 13 vereadores paulistanos tenha como desfecho a reversão da decisão inicial, reiterando a máxima de que, no Brasil, crime eleitoral sempre compensa. No final, o aspecto positivo do episódio talvez se resuma à exposição pedagógica da captura dos representantes públicos pelos interesses privados -e de como estes se valem de meios ilícitos para apagar suas pegadas.

Mas, além de nos fazer recordar que existem os vereadores, o caso traz à luz as debilidades da legislação eleitoral. Seria talvez mais próprio chamar de Justiça Pós-Eleitoral um sistema concebido para funcionar sempre depois da hora e que procura -em vão, na maioria das vezes- corrigir desvios que a própria lei torna possíveis ou estimula.
São dois, pelo menos, os ralos legais que dão vazão à maracutaia:
1. A lei desobriga os candidatos de identificar seus doadores durante a campanha, limitando-se a exigir que informem a quantia doada, o que é quase inócuo em termos de transparência. 2. A lei não obriga que o dinheiro doado aos partidos, e depois repassado aos candidatos, tenha sua origem identificada.
O repórter Rubens Valente já revelou que as empresas, valendo-se desse subterfúgio, doaram só em 2008 cerca de R$ 259 milhões aos partidos, valor repassado de forma "oculta" às campanhas. Ou seja, em vez de usar uma associação de fachada para aliciar sua futura bancada, como fez o setor imobiliário, empreiteiras e bancos usam as próprias legendas como lavanderia de suas doações. Depois dizem que no Brasil partido não serve para nada.


Este colunista errou ao dizer, anteontem, que o tráfico no Rio derrubou um helicóptero da polícia pela primeira vez no último sábado. Foi o segundo. O primeiro foi abatido em 16 de novembro de 1984, no morro do Juramento, conforme lembrou ontem Luiz Fernando Vianna. Comemoramos assim 25 anos de conquistas democráticas.

ANDRÉ MELONI NASSAR

Quem dá mais?

O Estado de S. Paulo - 21/10/2009


O Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que foram desmatados 127,6 mil km2 (12,7 milhões de hectares) de cerrado de 2002 a 2008. O número assusta, mas assustador mesmo é chegar à conclusão de que o MMA não hesitou em divulgar um número duvidoso sobre um assunto tão delicado. Três evidências confirmam minhas suspeitas.

A primeira é o estudo do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás, divulgado pelo Estado em 27/9, mostrando que foram convertidos 36,6 mil km2 de cerrado de 2002 a 2009 (3,66 milhões de ha). Ou seja, um número 70% menor!

Avaliando os dois estudos, e com base nas evidências que vou discutir, sabemos que o número do Lapig tende a subestimar o desmatamento, por razões técnicas da metodologia utilizada. Isso quer dizer que o número do MMA está correto? Não necessariamente.

Para entender as diferenças entre as metodologias e suas implicações na determinação dos resultados basta comparar o monitoramento do desmatamento da Amazônia feito por duas iniciativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe): o Projeto Prodes (desmatamento anual) e o Projeto Deter (alertas de desmatamento medidos mensalmente). O Prodes utiliza imagens do Landsat com um nível de resolução bem detalhado (30 metros); o Deter, que é um sistema de apoio à fiscalização e controle, utiliza imagens dos sensores Modis, com um nível de resolução mais limitado (250-260 metros).

Tudo isso para dizer que o histórico de avaliação do desmatamento da Amazônia mostra que, persistentemente, há uma diferença média de 40% na área desmatada a mais calculada pelo Prodes em relação ao Deter. Simplificando a análise, a metodologia do Lapig se assemelha à do Deter, pois utiliza imagens do Modis, e a do MMA, à do Prodes, já que utiliza imagens do Landsat. O problema é que a diferença entre os resultados do MMA e do Lapig vai muito além de 40%!

Voltando ao tema do artigo: quem está correto? Provavelmente não é o MMA. Para provar isso fizemos duas contas. Uma, avaliando a expansão das principais lavouras (soja, algodão, milho primeira safra, arroz, feijão e cana-de-açúcar), das florestas comerciais e das pastagens no cerrado, usando dados do IBGE e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura; e outra, por engenharia reversa, pela qual calculamos a área demandada para atender à produção extrativista de carvão vegetal, lenha e madeira nos Estados do cerrado, de acordo com os dados do IBGE.

Não por acaso, chegamos a ordens de grandeza em termos de demanda adicional por terra que batem com o número do Lapig corrigido pela diferença de 40% observada no cálculo do desmatamento da Amazônia: 6,1 milhões de ha, e não os absurdos 12,7 milhões, como defende o MMA.

Temos monitorado o avanço da área utilizada pelo setor agropecuário no Brasil com base em seis macrorregiões que fazem sentido do ponto de vista produtivo e ambiental. Compilamos dados do IBGE e da Conab para duas regiões típicas de cerrado - Centro-Oeste, excluindo os municípios de Amazônia de Mato Grosso, e Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia (Mapitoba) - e uma cuja expansão se dá, sobretudo, no cerrado (cerrado mineiro, na Região Sudeste). Calculando a expansão da área total alocada para lavouras temporárias, pastagens e florestas comerciais nessas três regiões (no caso das pastagens, em razão da falta de dados históricos, fizemos uma estimativa com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006), podemos inferir a conversão do cerrado, assumindo que a demanda adicional por terra implica abertura de novas áreas. Esse cálculo aponta para uma expansão líquida da ordem de 5,8 milhões de ha entre 2002 e 2009. Nesse total está incluída uma estimativa de redução de 3 milhões de ha nas pastagens. É a mesma ordem de grandeza do número corrigido do Lapig.

É importante mencionar duas coisas sobre esse número. A primeira é que ele tende a ser superestimado porque é conservador na taxa de intensificação das pastagens. A segunda é que entre 2002 e 2009 a expansão em área ocorreu, sobretudo, nos três primeiros anos e cai sensivelmente nos anos seguintes, conforme muito bem demonstrando no estudo do Lapig.

A outra hipótese que fizemos para calcular área convertida foi com relação à produção de carvão vegetal, lenha e madeira. Assumimos que 100% da produção extrativista informada pelo IBGE nos três produtos obrigatoriamente veio de matas nativas. Calculamos a produção desses produtos para o cerrado somando os Estados de MG, GO, MS, MT, TO, MA, PI, BA. Convertemos carvão vegetal em madeira, assumindo 30% de taxa de conversão e densidade de madeira de 0,5 g/cm3. Somando os três produtos e utilizando uma densidade média de 60 m3 de madeira por ha no cerrado, concluímos que foi necessária a conversão de 4,7 milhões de ha entre 2002 e 2009 para atender à produção dos três itens. Esse número tende a ser um pouco subestimado porque esse cálculo, implicitamente, assume 100% de aproveitamento da madeira retirada.

Não vale a pena discutir as intenções do MMA ao apresentar um número de desmatamento do cerrado que não representa a realidade. A publicação de um número superestimado tem significado e indica que o Ministério não pretende discutir o tema da ocupação do bioma de forma séria e responsável. Ao contrário da Amazônia, onde o conceito do desmatamento zero faz sentido, porque há muitas áreas abertas que não se prestam à produção agrícola e florestal, a ocupação do cerrado precisa ser discutida visando a minimizar a sua conversão, mas sem canibalizar seu potencial agrícola e florestal, comprovadamente gerador de renda, de desenvolvimento e de atração de investimento. Não me parece, com esse estudo, que o MMA esteja preocupado com isso.


André Meloni Nassar é diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). E-mail: amnassar@iconebrasil.org.br

GOSTOSA


MARCOS SÁ CORRÊA

Um salto de 8 mil anos para trás

O Estado de S. Paulo - 21/10/2009


Quem acha que os políticos brasileiros têm visão de curto prazo não conhece o deputado Luiz Carlos Heize. Ele é gaúcho, engenheiro agrônomo, fazendeiro e abarca na vida pública um horizonte mais vasto que o dos campos de soja em seu Estado, pelo menos quando se trata de desmontar o Código Florestal.

O código caiu nas mãos calejadas dos ruralistas. E vai sendo levado para o abate pelo cabresto da comissão especial que prepara sua reforma na Câmara dos Deputados, o que deu a Heize a oportunidade de provar que enxerga longe, sobretudo os assuntos mais próximos de seus interesses pessoais. Ele acredita que o Código Florestal - como a soja transgênica, que o deputado defende - é essencialmente um produto importado.

Está no Brasil para semear a ideia de "que os trouxas aqui têm de preservar, depois que a Europa, há 8 mil anos, já desmatou o que tinha". Isso é que se chama visão histórica. Ou melhor, pré-histórica. A última palavra da política brasileira em matéria de competição internacional desabrochou na oratória de um deputado que, não faz muito tempo, mal conseguia avistar, do alto de seu terceiro mandato, o que acontecia no País quando ele tinha cerca de 15 anos.

Naquele tempo, o Congresso aprovou o Código Florestal. Era o segundo que o Brasil fazia para depois não usar. O primeiro, então ultrapassado, datava de 1934. E continuava mais virgem do que as florestas que tentou manter. Legisla-se há 75 anos sobre a conservação de matas no Brasil, sem contar as ordenações portuguesas e outras velharias nacionais que nunca pegaram. Tudo com base na suposição de que as matas são bens públicos, mesmo se estão em terras privadas.

Um deputado capaz de ver o que aconteceu no Velho Mundo há 8 mil anos deveria ser capaz de perceber o que houve no Brasil uns 44 anos atrás. Mas não. Ele deve estar precisando de óculos para perto, porque outro dia se surpreendeu com o decreto nº 6.686, que, com quase meio século de atraso e considerável desconto em várias cláusulas, ameaça pôr em prática o que os autores do código de 1965 puseram no papel sobre reservas legais.

Heize reagiu ao decreto com espanto: "Se já não bastassem as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos agricultores para sobreviver no campo, agora querem que cada um destine 20% de suas terras para preservação." Seu "agora querem" soa mais anacrônico que seus "8 mil anos".

Pena que não dê para embarcá-lo numa viagem parlamentar, com tudo pago, ao mundo de 8 mil anos atrás. Ele visitaria magníficas ruínas de florestas primevas, até mesmo no Crescente Fértil, onde a agricultura nascente, com ajuda das mudanças climáticas, começava a plantar o atual deserto. Não foi à toa que foi ali a expulsão do paraíso. No caso, o paraíso das florestas de carvalho que cobriam as margens do Eufrates.

Havia queimadas para brasileiro nenhum botar defeito. "Em cada temporada de plantio, espessas fumaças cinzentas se misturavam às chamas saltitantes no embaçado céu azul", conta o antropólogo Brian Fagan sobre a chegada da civilização neolítica à Europa. E Heize poderia se hospedar em cavernas tão sufocadas de fumaça que "pulmões enegrecidos são comuns em corpos mumificados" daquela época, segundo o historiador John McNeill.

A receita do progresso que Heize advoga está pronta. Para tentar de novo, basta regar com suor e tragédias por 8 mil anos. E, mais dia, menos dia, chegaremos aonde o mundo está.

ROBERTO DaMATTA

Um Brasil pré-datado?


O Globo - 21/10/2009

O Brasil de Lula é uma espécie de país pré-datado.

Bom para 2014 (Copa), 2016 (Rio) e pré-sal (2020)”, disse a Ricardo Noblat, do GLOBO, o cientista louco Hugo-A-GogoGo. Só faltou explicitar a eleição do seu sucessor em 2010. Eis um país programado e previsto.

A pré-datação inquieta. Eu cresci num Brasil do “ao Deus dará”. Uma sociedade errada, inferior e, por ser misturada, perdedora. Enquanto os “países adiantados” adiantavam-se, porque tinham agendas, o Brasil, na trilha do mundo socialista, não saía do lugar porque imitava os “planos quinquenais” que magicamente resolveriam todos os problemas. O pré-datado difere do “plano totalizador”.

Num caso, estamos no terreno das agendas que obrigam a discernir as tarefas de cada dia; no outro, equacionamos de uma vez por todas o porvir. Alheio às agendas, e certo de que o futuro a Deus pertencia, eu achava arrogante prédatar o mundo como se fazia com as notas provisórias.

Essa aversão a agendas tinha muito a ver com o destino de meus avós, Raul e Emerentina. Ela, sobrevivente de um casamento liquidado pelo assassinato do marido numa sorveteria de Manaus; ele, pela doença que lhe levou a mulher jovem. Viúvos com filhos, eles somaram seus rebentos a um amor capaz não só de produzir novos filhos, mas um casamento entre o filho de Raul e a filha de Emerentina, meus pais. Deles não se viu jamais sinal de revolta ou sofrimento, mas cresci sabendo como foram duramente marcados pela perda de muitos filhos.

Enterraram filhos em Manaus, em Salvador e em Niterói; velaram recém-nascidos, meninos, jovens, “homens feitos” e minha velha avó, solitária e conformada, como testemunhei no verde dos meus 20 anos, ainda levou ao cemitério um filho entrado numa velhice de angústia e desesperança. A vida não lhes deu sucesso ou riqueza, mas as miudezas das quais tão bem tratou Machado de Assis. Essas coisinhas ditas e feitas pela metade, um tanto afogadas pelo silêncio das convenções. Mas foi deles a recorrente experiência de ver a terra cobrir o caixão dos filhos e de viver a chaga aberta com a qual lidaram até a sua partida deste vale de lágrimas, pobres, idosos e íntegros, plenos de aceitação pela parcela que — fazer o quê, leitores queridos — lhes coube neste mundo.

Meu avô Raul encolheu-se no silêncio, acompanhado de um charuto Suerdieck, fumado com serenidade depois dos grandes almoços de domingo.

Dele foi também uma impecável polidez, que no rosto bem talhado figurava, no máximo, sorrisos.

Como o filosofo Kant, ele um dia chorou porque — impedido pelo derrame cerebral que lhe tolheu as pernas — não pode levantar-se para a despedida apropriada a tia Celeste, viúva do seu filho mais querido, Roberval, levado pelo lúpus na força da idade. Já Emerentina, falante, alegre e dominadora, optou pelo lado arriscado e venturoso da vida. Era uma apaixonada pelo jogo com o seu rude inesperado e o seu mágico imprevisto.

Estou certo de que, para ela, a vida não era somente marcada por surpresas mas era, em si mesma, a própria surpresa. Tirando a “arte”, e a irremovível divisão entre vida & morte, só há o transitório da metamorfose, da transformação e do descentramento. Daí, quem sabe, o apego de Emerentina pela “missa das seis” e a sua paixão paradoxal pelo pôquer e pelo jogo do bicho que praticava não para ganhar, mas para contrariar e confirmar a incerteza que marcou sua vida.

Acertar um palpite é pré-datar um evento e ter a ilusão, própria das sociedades modernas, de controlar o futuro. De saber o que é bom para o Rio e para o Brasil. Dizem que foram os franceses que presentearam o mundo com essas inovações. Foram seguidos em vão por uma pá de imitadores que logo descobriram o preço a pagar pelas fronteiras, pelas leis da história e pelas coletividades homogêneas. O século passado fornece um belo testemunho da barbárie, motivada — como diz Lévi-Strauss — pelos crentes na civilização.

Entramos na fase de um Brasil pré-datado. Alguns prefeririam a agenda de liquidar a desigualdade por meio de um sistema educacional impecável tão complicado de fazer quanto uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. Ademais, vale lembrar, há sempre — como ocorreu na semana passada — a droga do inesperado.

CELSO MING

O tamanho do estrago


O Estado de S. Paulo - 21/10/2009
Aconteceu o que se imaginava: o dólar teve um alívio de 1,9% no câmbio interno; a Bolsa levou uma trombada de 2,9%; e o ministro Guido Mantega deve estar um tanto desapontado, porque pretendia um efeito mais forte com a nova taxação das aplicações feitas por estrangeiros em renda fixa e em ações.

O impacto mais visível foi a transferência de negócios da Bolsa brasileira para a de Nova York. As ações da BM&FBovespa chegaram a cair 13,5% e fecharam 8,4% abaixo do nível da véspera porque o governo Lula fez o favor de transferir emolumentos (portanto, renda) para os americanos, que agradecem.

Mantega avisou ontem que um dos objetivos da taxação dos capitais era perfurar a bolha da Bolsa daqui. Se foi isso, vai se frustrar, pois eventuais bolhas com ações de empresas brasileiras serão formadas em Nova York e não mais em São Paulo. Afora isso, desde ontem o mercado financeiro já sabe como fazer para contornar o posto do pedágio.

O objetivo principal, ou seja, a desvalorização consistente do real (alta do dólar), vai depender de muito mais. Essa taxação é como fechar a torneira em tempo de enchente: pouca diferença vai fazer. Logo a valorização do real será retomada e a única desculpa que o ministro poderá apresentar será: "Se não tivéssemos tomado essa providência, o dólar teria afundado muito mais."

A maior parte do capital não vem nem para o mercado de ações nem para as carteiras de renda fixa. Vem para os investimentos de longo prazo, para o pré-sal, para a Copa, para a Olimpíada, para o trem-bala (se sair), para os ativos fixos - e não leva o pedágio de 2%. Mas inevitavelmente puxará o dólar para baixo. Há alguns meses, Mantega fazia lobby para convencer as agências de qualificação de risco a despacharem o certificado de investment grade para o Brasil. Com isso, argumentava ele, o País receberia mais capitais a custo mais baixo. Agora parece arrependido do que fez e vê a inundação de dólares como maldição.

Mas essa não é a única inconsistência da decisão tomada pelo governo. A maior delas é a de que, se for mesmo para segurar o dólar, então é preciso ir mais fundo. O problema do Brasil se chama baixo nível de poupança (de apenas 16% ou 17% do PIB, enquanto o da China é de 44%). Se a poupança nacional é insuficiente, a solução é importar capitais. E importar capitais dá nisso aí: valorização, às vezes excessiva, da moeda nacional.

Para ser mais consistente na condução da política cambial, num regime flutuante, o governo teria de reduzir drasticamente suas despesas e formar sobras de arrecadação (superávits primários) para garantir o investimento e, assim, poder dispensar capitais externos. Mas a opção do governo foi gastar mais, mesmo diante da forte redução da arrecadação. Assim, não há recursos para financiar obras de infraestrutura; não há disposição para derrubar a carga tributária; e nada de sério se faz para reduzir o custo Brasil, que é o principal fator que tira competitividade da empresa - e não o câmbio.

Duas observações-perguntas: (1) Será que entre os principais objetivos da cobrança do IOF não está o de aumentar a arrecadação? (2) Por que o Banco Central ficou de fora dessas decisões?

Confira
Lá e cá - A partir de julho, o volume de negócios com ações de empresas brasileiras em Nova York ficou ligeiramente mais baixo que o da Bolsa brasileira. A partir da cobrança do IOF, a diferença voltará a se inverter.

GOSTOSAS

FERNANDO RODRIGUES

A Vale e a política

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/10/09

BRASÍLIA - A Vale ganha dinheiro explorando minério de ferro. Não há notícia de ameaça ao seu poderio em solo brasileiro. Ainda assim, a empresa se lançou com volúpia ao mercado publicitário.
Nos últimos 12 meses terminados em setembro, a Vale torrou R$ 178,8 milhões em propaganda. No mesmo período, a marca de sabão em pó Omo consumiu R$ 141,7 milhões. Os dados são do Ibope Monitor -não consideram descontos, mas são elevados em todos os cálculos e comparações possíveis.
Mineradoras pelo planeta afora praticamente não fazem propaganda. Seria jogar dinheiro pela janela.
Nenhum consumidor leva em conta ao comprar um carro se o aço foi produzido com o minério de ferro da Vale. Tanto faz.
A atitude da Vale ao fazer propaganda como se fosse uma estatal destrambelhada obedece a motivações diferentes da lógica do mercado. Há componentes políticos e empresariais envolvidos.
O aspecto empresarial é obscuro. A Vale pode argumentar com a clássica necessidade de fixar a marca.
Seria um sofisma inaplicável, pois inexiste conexão capitalista entre o lucro da empresa e as propagandas na TV. A não ser que o componente político esteja presente.
Aí vem o lado curioso. Uma empresa privada com despesas publicitárias acima de R$ 100 milhões segue as normas básicas de governança corporativa. Uma conta assim só é entregue a uma ou várias agências depois de um duro e competitivo processo de escolha.
Não se conhece a forma pela qual a Vale concluiu ser conveniente dar sua conta milionária ao publicitário Nizan Guanaes. Mas sabe-se muito bem que o nome Nizan Guanaes causa pesadelos no PT.
Nizan foi o marqueteiro preferido de tucanos, de FHC a José Serra. Todos conhecem no Brasil os vasos comunicantes entre publicidade e política. E os custos altíssimos da campanha eleitoral de 2010.

TODA MÍDIA

O tom da guerra

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/10/09

Na manchete do UOL, no fim de um dia voltado ao mercado, "Taxa faz dólar ter a maior alta diária em quatro meses". Nos portais Terra e iG, quase o mesmo enunciado. E a "Bovespa tem a maior perda diária desde junho", acrescentou o Valor Online, que atravessou o dia entre o dólar e a Bolsa.
Resumindo, manchete na Reuters Brasil, "Imposto para estrangeiro seca o fluxo externo".
Por Dow Jones, Bloomberg e outras, atenção aos movimentos no Brasil e às repercussões. O peso chileno "fecha mais forte por causa da taxa brasileira" e o peso colombiano "mergulha com preocupação sobre controle de capitais", lá também.
Segundo analista americana da RBS Securities, "o movimento do Brasil deu o tom na guerra contra a desvalorização do dólar".

CABELO EM PÉ
No iG, o colunista José Paulo Kupfer destacou que a volta da taxação é "medida óbvia e que vem tarde", mas "os ortodoxos, mesmos os carecas, estão de cabelo em pé". No Terra, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo destacou que "só demente pode achar que a valorização do real é favorável" e acrescentou:
"Quem está contra a taxação quer cuidar dos próprios investimentos e interesses. Na minha opinião, deveria ser mais radical. Deveria ter alterado a forma de atuação do Banco Central no câmbio."

AJUSTE
Shutterstock/economist.com

A "Economist" posta manchete sobre o dólar e ressalta a "imposição da taxa pelo Brasil, sinal de que os países estão ficando nervosos". Prevê intervenção crescente "conforme o mundo se ajusta ao dólar em declínio"

NO "WSJ"
O "Wall Street Journal" postou pelo menos três longos textos de análise da decisão brasileira, ontem.
Avalia, por exemplo, que "o movimento sublinha a enorme demanda dos investidores pelos títulos brasileiros no rastro da crise global".
Que "os países com moedas flutuantes foram atingidos de forma injusta pelo dilúvio do dólar", prevendo medidas da Colômbia e do Peru e cobrando ação do G20.
E que "o efeito da taxa pode ser de pouca duração -e ao mesmo tempo remover parte do lustre da política econômica" tão louvada.

NO "FT"
O "Financial Times" postou pelo menos quatro análises sobre a taxação, em vídeo do editor de investimentos, texto do correspondente e post no blog Alphaville.
A principal, da coluna Lex, abre dizendo que o "Brasil é vítima de seu sucesso econômico", daí a valorização, "novidade num país acostumado a crises de dívida".
Diz que pode ser efeito do capital desenraizado e daí se justifica intervenção; mas também da "riqueza em commodities" e daí "não há o que fazer". No médio prazo, defende que "a melhor resposta é elevar produtividade".

ENQUANTO ISSO
mmonline.com.br

Sites e blogs avisam que o Banco Central lança hoje campanha na televisão para "ensinar como evitar dinheiro falso". Seu nome é "Dinheiro de Verdade" e abre com quatro comerciais

SOMBRA
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Na capa do "WSJ", a foto de um policial na frente de um bar na favela do Jacarezinho. No enunciado, "Violência nas favelas do Brasil assombra a vitória olímpica do Rio". De novo, deu no "JN"

E TOME E-BOOK
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O "WSJ", menos simpático do que o "NYT" ao Kindle, da Amazon, destacou o dia todo o lançamento do Nook, da Barnes & Noble. O tom da cobertura, até com "live-blogging", foi de enunciados como "Será que o e-reader Nook será um assassino de Kindle?". Estreia com o mesmo preço, para disputar "um dos poucos segmentos em crescimento nas editoras, os livros digitais".
Ao fundo, destaque no mesmo "WSJ", "Wal-Mart e Amazon duelam on-line", em "guerra de preços por livros badalados que é apenas a ponta do iceberg". Deve avançar sobre os mais variados produtos.

GOSTOSA


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MÍRIAM LEITÃO

Aço de sobra

O GLOBO - 21/10/09


O presidente da Vale, Roger Agnelli, disse que o presidente Lula está no papel dele. Não está.

Estaria, se estivesse estimulando as empresas em geral a investir no país. Mas Lula está perseguindo uma empresa. Só fala dela! A siderurgia tem capacidade de produção 117% acima da demanda interna, num mundo com excesso de oferta. Não fará grandes investimentos no curto prazo

Agnelli apresentou ao presidente Lula investimentos que já estavam programados e cujo ritmo havia sido reduzido depois da crise.

Apresentou como coisa nova. E disse que os investimentos no Espírito Santo e no Pará estão dependendo de licença ambiental.

Cometeu assim dois erros. Deu a impressão de estar cedendo às pressões do presidente, como se só tivesse pensado nesses investimentos após as admoestações de Lula, e culpou o suspeito usual: o meio ambiente.

Vamos aos fatos: o setor siderúrgico teve uma queda enorme de demanda desde a crise. Ele foi o mais afetado.

A demanda interna de aço este ano é de 20,8 milhões de toneladas; e 1,5 milhão de toneladas são importadas.

Isso significa que o setor consegue vender no mercado interno 19,3 milhões de toneladas e tem uma capacidade de produção este ano de 42 milhões de toneladas.

No ano que vem, terá 43,5 milhões. Em 2010, entra em operação a CSA, com capacidade de produzir mais cinco milhões de toneladas.

Sem contar a CSA, sobram 22 milhões de toneladas no Brasil para exportar.

O setor tem exportado bastante, mas a crise reduziu a demanda externa também. E pior, como vários projetos de aumento da capacidade já estavam em andamento, haverá um aumento da oferta mundial. O excedente é calculado pelo setor em 600 milhões de toneladas.

Diante disso, as siderúrgicas no mundo inteiro estão avaliando com muito cuidado seus planos de investimento.

Por isso, fica mais estranha a insistência com que o presidente Lula, dia sim e no outro também, acusa a Vale de não investir em siderurgia.

Houve até esta semana uma estranha reunião para discutir o “problema” da Vale.

Dela participaram, além de Roger Agnelli, da Vale, o presidente Lula, a candidata Dilma Rousseff, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente da Previ, Sérgio Rosa, o representante do grupo Mitsui Oscar Camargo, e João Moisés de Oliveira, da Bradespar.

Alguns tinham razão de estar numa reunião para discutir planos de investimento da Vale, outros não. Separando os corpos: tinham razão para estar na reunião a Bradespar, a Previ, a Mitsui e o BNDES. São acionistas da empresa. Os outros — Lula, Dilma, Mantega — não tinham razão alguma de estar cobrando investimento de uma empresa privada.

Num evento em São Paulo, Lula disse que “a Vale não pode ficar sentada no Rio pensando que é grande.” Ela não está sentada no Rio; e ela é grande. É a maior exportadora líquida do Brasil e está em inúmeros países investindo, prospectando oportunidades, vendendo.

Já era grande quando estatal, é maior ainda depois que foi privatizada.

Melhor faria o presidente Lula se olhasse o investimento realizado pelo governo. É pequeno e está muito abaixo do que foi orçado. Pode também se preocupar com o fato de que pelo décimo primeiro mês consecutivo o país está com queda de arrecadação.

Portanto, o momento não é de aumentar gastos de custeio como ele tem feito. Enfim, se o presidente quer se preocupar com questões gerenciais, há vários na esfera governamental com os quais se ocupar, se lhe sobrar tempo em sua agenda tomada pela campanha presidencial de 2010.

Toda essa história é lamentável porque nem o governo nem a empresa se comportam como deveriam.

O presidente pressiona uma empresa privada, e a direção desta prefere fingir que está cedendo às pressões.

O texto do repórter Gerson Camarotti, publicado ontem no GLOBO, informa que a avaliação do governo é que o presidente “ganhou a queda de braço com a Vale.” Fica claro assim que tudo foi feito apenas num jogo de aparências para ser usado em algum discurso nos próximos palanques: o presidente da República ataca verbalmente uma empresa grande, emblemática. O presidente da empresa, em vez de mostrar que ele está invadindo esfera privada de decisão, diz que ele está em seu papel, apresenta projetos e culpa as licenças ambientais. O jogo dá certo. Lula pode dizer que os investimentos foram anunciados porque ele pressionou, que ele “venceu a queda de braço”; Agnelli culpa o meio ambiente para fugir da briga.

Antes da privatização, as empresas siderúrgicas deram prejuízos imensos ao governo.

Com raras exceções.

Depois, elas investiram US$ 25 bilhões, numa primeira fase, modernizando as usinas, e depois aumentando a capacidade de produção.

Com a queda da demanda brasileira e global, o que os administradores devem fazer para não pôr as empresas em risco é estudar cuidadosamente os investimentos. A Vale é mineradora, mas tem investimentos em siderurgia; pode e deve ampliá-los para aumentar o valor agregado do que exporta. Mas o cronograma do investimento é assunto da empresa

ELIO GASPARI

A guerra do Rio é uma metáfora cavilosa

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/10/09


Uma cidade não pode ser transformada num cenário de prorrogação de um filme



O RIO GANHOU um novo problema, a blindagem dos helicópteros da polícia. (E por que só os da polícia?) Os três jovens mortos na entrada do morro dos Macacos são uma nota de pé de página. Três dias de desordens nas estações da Supervia já são coisa do passado. De uma hora para outra, o carioca sente-se num cenário de "Tropa de Elite".
Primeiro, ele parou de caminhar pelas ruas do bairro depois do jantar. Um país com a taxa de fecundidade de 6,3 filhos por casal não podia ir para a frente. Depois, faz tempo, surgiram as grades nos jardins do recuo dos edifícios. Do Leblon ao Leme há algo como 10 mil metros de calçadas gradeadas, mas não poderia ser diferente: nessa época a população favelada do Rio dobrara de 335 mil pessoas para 722 mil.
Isso acontecia numa cidade em que, até 1983, pareceu irrelevante o fato de os ônibus não passarem pelo túnel Rebouças, inaugurado em 1966. Parecia natural que a choldra da zona norte não tivesse acesso fácil a Copacabana e Ipanema.
Na virada do século foi preciso blindar o carro. Pensando bem, era uma impropriedade estatística. A taxa de fecundidade das brasileiras caíra para 2,9 filhos por casal. Estavam nascendo menos pobres, portanto, não fazia sentido que a população favelada chegasse a 722 mil almas, quase 15% da população da cidade.
Aos perigos e transtornos impostos ao carioca somou-se a cenografia de uma guerra. A crise da segurança pública do Rio não é uma guerra. Pode ser pior, mas não é guerra. Os quatro anos da ocupação alemã em Paris foram menos cruentos que quaisquer quatro anos do Rio, desde 1980. A ideia de uma guerra pressupõe um inimigo perfeitamente identificado e a disposição de se utilizar todas as forças disponíveis para submetê-lo. Guerra pressupõe tentar devolver o Vietnã do Norte à Idade da Pedra.
Não há guerra no Rio, o que há é uma metáfora de conveniência. Ela cria o cenário da emergência, mas não pode dar o passo seguinte, que seria o reconhecimento de que uma parte da cidade está em guerra com outra, como aconteceu na Argélia, ou na África do Sul da fase mais agressiva do "apartheid".
Esse passo não é dado porque, apesar dos surtos demofóbicos, a sociedade brasileira nunca se associou a um projeto desse tipo. Colocando a coisa de outro modo: o pedaço da sociedade que seria capaz de apoiar uma política de violência segregacionista levando-a a consequências extremas, ainda não tem coragem para vocalizar suas propostas e não haverá de tê-la nos próximos anos. Pensar que essa linha de pensamento não existe é colocar a ingenuidade a serviço das boas maneiras.
A metáfora da guerra não define o inimigo mas, cavilosamente, deixa-o subentendido. Ele está na favela ("fábrica de marginais", na definição do governador Sérgio Cabral). Essa guerra sem inimigo produz cenários, cenas de batalha, vítimas e juras de vingança, nada mais. Tudo fica parecido com "Tropa de Elite". Uma metáfora pode sustentar um filme, mas não resolve as questões da segurança de uma cidade.
Se o clima de guerra sair da agenda do Rio, não há qualquer garantia de que as coisas melhorem, mas pelo menos será retirada a cortina de fantasia que mascara políticas públicas fracassadas.

O MANUAL DO MENTIROSO

DIRETO DA FONTE

E até Marta caiu na rede...

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/10/09


Dois convidados muito esperados não apareceram no lançamento do Mpost, site interativo de Marta Suplicy, segunda, no StudioSP. Dilma ligou no celular de Marta avisando que não chegaria a tempo. Antonio Palocci também telefonou explicando que ficou preso em Brasília.

Mesmo sem estar presente, Palocci foi o único político lembrado ali para disputar o governo. E foi também quem apareceu no telão durante depoimento gravado sobre Marta. É candidata? "Sou, mas não sei ainda a que cargo," afirmou, garantindo que seu site está aberto até para a oposição. "Convidei o Luiz Carlos Bresser Pereira para escrever".

Márcio Toledo, presidente do Jockey e namorado de Marta, se absteve de falar sobre política. "Não sou filiado, nem vou ser. Aliás, vou promover debates com todos os candidatos ao governo do Estado no Jockey", disse ele.

Eduardo Suplicy chegou no fim da festa. E contou que, em reunião interna do PT, circulou lista de assinaturas com seu nome para o governo do Estado. "Mais de cem filiados assinaram. E como são necessárias 2.970 (para entrar na disputa), acho que ainda dá tempo."

Sobre a polêmica da cueca vermelha, o senador não perdeu as esperanças:
"Uma senhora da Zona Leste me ligou dizendo que essa história ainda vai reverter a meu favor..."
(PEDRO VENCESLAU)

Crédito eleitoral
Depois do trauma do mensalão, o PTB descobriu um jeito curioso de arrecadar recursos para o partido.
Decidiu que será a primeira sigla a lançar um... cartão de crédito. Em janeiro.

Pré-conta salgada
A Petrobrás nem fez a nova licitação de sua conta de publicidade, avaliada em algo como R$ 250 milhões, e a briga nos bastidores já ferve.
Hoje, a conta é tocada por três agências diferentes.

Excelência no mar
E o pré-sal já rende frutos... na área acadêmica.
Guilherme Estrella, diretor da Petrobrás, é doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto. Elogiado na presença de José Gabrielli.

Sem digitais
Assim que Guido Mantega anunciou a taxação de capital estrangeiro em 2% de IOF, o mercado teve certeza: Emilio Garófalo, do BC, não ajudou a montar a medida. Que deve, segundo os analistas, ter efeito tímido no curto prazo, e só. A não ser que subam o imposto.
O especialista em câmbio continua sentado em sua cadeira no BC, apesar de "emprestado" à Fazenda.

Mal-estar
Em vez de cobrar IOF na contratação de câmbio, a nova regra mandou cobrar o imposto na liquidação da operação - contratada quando não existia o imposto.
Tem gente pensando em entrar na Justiça.

Tipo exportação
Afundaram ontem as ações da BM&FBovespa, que perde com a taxação: investidores estrangeiros vendem aqui para aplicar em papéis brasileiros lá fora.
A Dow Jones agradece.

Chamem o leão
A civilização vai ser salva... pelos impostos? A rigor, essa é a sugestão de Lester Brown, guru das causas ambientais, no livro Plano B 4.0 - Mobilização para Salvar a Civilização.
Ele defende, no livro a ser lançado amanhã, no Masp, a criação de taxas para o custo do impacto ambiental do produto. Um litro de gasolina, nos EUA, saltaria de US$ 1 para... US$ 4,17.

Devagarzinho
O historiador Eduardo Bueno mudou de editora.
O Grupo Leya do Brasil contratou os direitos de publicação da série Brasil - Uma História, Revisada.

Pegou gosto
Thiago Fragoso já tem outro projeto teatral para 2010: o ator está negociando a compra de direitos de um espetáculo da Broadway.
Não vai atuar e sim, dirigir.

Garoa fina
São Paulo passa a ser a terra de Alessandra Negrini. Pelo menos enquanto a moça participa das filmagens do longa Dois Coelhos - do estreante Afonso Poyart .

De chocolate?
Vik Muniz assina a abertura da novela das sete da Globo, Bom Dia Frankenstein. Segredo a sete chaves.

Arigatô!
Claudio Lembo aceitou o convite: é o novo presidente da Aliança Cultural Brasil-Japão. O moço cresceu em bairro paulistano rodeado de japoneses.

Inimigos à parte
Rivais na moda, amigos na política. Santo Domingo, da Versace, indicou Giorgio Armani para o Senado italiano.


Na Frente

Carlos Slim Jr. - herdeiro de uma das dez maiores fortunas do planeta - gostou do fim de semana em SP. Pôde circular sem seguranças.

Ana Maria Braga lança seu livro Mais Você Dez Anos, sábado. Na Livraria Cultura.

A musa burlesca Dita Von Teese chega domingo a SP, com excesso de bagagem. Indecisa sobre seu figurino no Be Cointreau, dia 28, traz mais de uma dúzia de modelitos.

Convidado pela Cultura Inglesa, Francisco Cuoco faz leitura de poemas de William Butler Yeats. Hoje, no Centro Brasileiro Britânico.

Looks usados por Audrey Tautou em Coco Antes de Chanel estarão expostos - junto com peças originais da estilista - no Espaço Cinemark do Iguatemi. Segunda, na pré-estreia do longa.

João Doria acertou com Álvaro Uribe a realização, na Colômbia, do próximo Meeting Internacional. Em Cartagena, em outubro de 2010.

Os torcedores do Corinthians estão preocupados. Temem que Rubinho volte a usar a camiseta do Timão na corrida de domingo, em Cingapura.

TOSTÃO

Três times com a mesma cara

JORNAL DO BRASIL - 21/10/09


Tempos atrás, alguém da TV Globo, que não me lembro quem, disse que a partida não tinha agradado porque a audiência da televisão foi baixa. É assim que a TV vê o futebol.

Para aumentar a audiência e ter mais lucros, a Globo quer mudar a fórmula dos pontos corridos, que tem dado certo, para os mata-matas. Ela quer ainda manter o absurdo horário das 21h50. Se outra TV aberta tivesse o mesmo poder, faria o mesmo. O futebol é um negócio. O esporte é um detalhe.

Não vejo razão para a onda de pessimismo em relação ao Palmeiras. Todas as equipes alternam bons e maus momentos. O Palmeiras continua com a vantagem de quatro pontos. Ainda é o grande favorito.

Andrade, com seu jeito sereno e sem a prepotência de outros treinadores, está acabando com o clichê de que o Flamengo não pode jogar com Juan e Leonardo Moura, nas laterais, e somente com dois zagueiros. A defesa melhorou muito depois que mudou o esquema tático. Toró, Willians e Aírton estão também aprendendo, com Andrade e Maldonado, que marcar bem não é correr atrás do adversário para fazer faltas e dar pontapés.

No futebol atual, há muitos jogadores valorizados que correm muito e jogam pouco. São os craques da prancheta. Petkovic corre pouco (menos que os outros) e joga muito.

Como disse o mestre Fernando Calazans, Petkovic, 37 anos, não mostra apenas como se deve jogar futebol. Ele mostra também como os outros não sabem jogar futebol.

O problema do Flamengo é conviver com o oba-oba. Parte da imprensa, a que tem mais seguidores, palavras da moda, para agradar a maior torcida do Brasil e aumentar a audiência, alimenta a ilusão de que o time é espetacular e que ninguém segura mais o Flamengo.

O Palmeiras, como acontecia com o São Paulo, dirigido por Muricy, não agrada, mesmo quando vence. O excelente Cleiton Xavier caiu de produção. Ele incorporou o estilo de Jorge Wágner. Pega a bola e cruza. Cleiton Xavier tem muito mais recursos que Jorge Wágner. Não pode fazer só isso.

A principal qualidade do Pal meiras, que era a mesma do São Paulo, comandado por Muricy, é jogar no limite físico e emocional, ser um time disciplinado e guerreiro, em todos os momentos da partida e em todas as partidas. Méritos para Muricy. Isso faz a diferença em um campeonato equilibrado e sem grande qualidade técnica. Além disso, o Palmeiras, como tinha o São Paulo, possui vários excelentes jogadores.

O São Paulo, dirigido por Ri cardo Gomes, joga no mesmo es quema tático e tem a mesma es tratégia do São Paulo, comandado por Muricy. Onde está o futebol de troca de passes que Ricardo Gomes queria? Nunca apareceu. Como antes, Dagoberto tenta, durante todo o jogo, enganar o árbitro, com suas teatrais caídas no gramado. Ridículo. Isso não é futebol.

O Palmeiras e o São Paulo, de hoje, e o São Paulo, de antes, são muito parecidos. Os três têm a cara de Muricy. Se o Palmeiras ganhar o título, haverá ainda mais seguidores. Muricy poderá fazer até um manual sobre como ganhar o Bra sileiro. Será um sucesso. É o pensamento único. Isso empobrece o futebol.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

ARI CUNHA

Quem vai entender!

CORREIO BRAZILIENSE - 21/10/09


Diz a sabedoria que se arrepende quem fala mal da Justiça. Sem ela, o ser humano desaparece, os valores se escondem. A massa se desorganiza. Falta para quem apelar. Por isso é louvável a iniciativa do presidente Gilmar Mendes ao caracterizar como campanha eleitoral as viagens do presidente Lula e de dona Dilma Rousseff.

“Nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é inauguração de obras pelo país.” Pela palavra, o presidente Gilmar Mendes adverte os setores políticos. O presidente do Supremo não propaga como “inconsciência” dos que apostam na desorganização brasileira.

Demais partidos estão conscientes dos fatos. Não adotam o mesmo sistema. Seria tumultuar as eleições. E não é isso o que desejam eleitores. Com a palavra de Gilmar Mendes, talvez a coisa mude de sentido. Afinal, o presidente da Suprema Corte não fala sem conhecimento de causa. Fala devagar e não escorrega no texto, como alguns querem que aconteça.

O juiz Aloísio Sergio de Oliveira cassou 13 vereadores de São Paulo. O motivo é que esses candidatos receberam dinheiro de sindicatos, o que é totalmente condenável. A tentação venceu, e os candidatos apertaram o juízo. E a consciência também. Encontram a saída. Foi uma empresa de construção de imóveis que prestou a “atenção cordial” aos candidatos. Mas o episódio foi considerado contra a lei. A união dos empreiteiros progrediu em campo aberto. Ocorre que a Justiça de São Paulo detectou a maldade e puniu candidatos. Todos terão direito a recursos, mas o crime está configurado até que a sentença desfaça a medida recomendada.

Candidatos do PSDB e do DEM são os indiciados. Já os petistas estão isentos, porque não incidiram no mesmo erro. A totalidade isenta não é sinal de correção na política brasileira. Pelo menos fizeram a coisa dentro do sistema eleitoral.

A política eleitoral segue caminho na intenção de desvendar o que acontece. É dessa forma que vai dar trabalho. Se o Partido dos Trabalhadores sai na frente desafiando autoridades do Judiciário, não é bom indício. A panela de alguns políticos de outros estados começa a ferver.

Do Pará não chegam as melhores notícias. No Amapá só se fala na próxima candidatura do presidente do Senado. Forma-se outra embrulhada. Mas Deus é grande. Tomara que faça vir os ventos benfazejos modificando nosso panorama. Com a paz, já estaríamos longe e em progresso compulsivo.


A frase que não foi pronunciada

“Enquanto a oposição se inscreve, estamos perto da fita na corrida dos 100 metros rasos para as eleições
.”
» Presidente Lula pensando, com um sorriso, antes de adormecer.



Conclusão

» “Nosso dinheiro” é o nome da campanha preparada pelo Banco Central. A intenção é combater o dinheiro falso. O problema é que o lojista ou o consumidor, ao receber uma nota falsa, não pode trocar no Banco Central. O prejuízo continua.

Carepa

» No Pará brota a ponta de um escândalo que vai render. A senadora Kátia Abreu, à frente dos agricultores, quer intervenção no estado. Por sua vez, Gilmar Mendes, presidente do Supremo, tenta entender a razão das centenas de decisões judiciais pela reintegração de posse dos produtores não cumpridas. Só a governadora Ana Carepa tem a resposta.

Projetos

» Por falar em Pará, o estado recebeu R$ 115 milhões do governo federal para investir em segurança pública. Dentro do projeto Pronasci há áreas adotadas pelo
Ministério da Justiça como “território de paz”.

Retrato

» William Clementino, da Contag, sugere, em entrevista, que o parlamento faça uma CPI para saber de onde veio o dinheiro que a CNA usou para pagar a pesquisa do Ibope. O resultado foi um estímulo à CPI do MST. Setenta por cento dos assentamentos não geram renda. Por falta de crédito e de assistência técnica.


História de Brasília

O plano de mudança dos invasores da Cidade Livre para o Gama é uma obra que precisa ser realizada. Há informações de que estão sendo organizados comitês distritais do PDC no Núcleo Bandeirante, para que isso influencie na opinião do presidente da República e do prefeito de Brasília. (Publicado em 11/2/1961)