sábado, março 14, 2009

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA

Diogo Mainardi
Sou o guru de Protógenes

"No documento, sou tratado como um preceptor.
Ele resume meus artigos e recomenda seguir 
meus passos na denúncia da cumplicidade 
entre Daniel Dantas e os mensaleiros"

Protógenes Queiroz é a Glória Perez da espionagem nacional. É o "Slum-dog Millionaire" da PF – e bota "Millionaire" nisso. Ele sempre dá um jeito de citar Mahatma Gandhi. Ele sempre dá um jeito de usar um termo hinduísta. Se é assim, minha coluna, neste cantinho de página, é seu retiro indiano, é seu ashram. E eu tenho de ser considerado o seu Sathya Sai Baba. O seu guru.

Na última semana, o conteúdo do computador de Protógenes Queiroz foi encaminhado à CPI dos Grampos. Nele, há um documento intitulado "Análise de dados de fontes abertas". Tem 43 páginas, seis das quais dedicadas a mim. Quantas linhas sobre meus relacionamentos amorosos? Zero. Quantas linhas sobre meu talento para os negócios? Zero. No documento de Protógenes Queiroz, sou tratado cerimoniosamente: como um guia, como um mestre, como um preceptor. De fato, ele resume detalhadamente meus artigos, reunidos no livro Lula É Minha Anta, e recomenda seguir meus passos na denúncia da cumplicidade entre Daniel Dantas e os mensaleiros.

Alguns dias atrás, durante um jantar em sua homenagem, Protógenes Queiroz declarou o seguinte: "O Brasil progrediria 100 anos se fizesse o impeachment de Lula". Cem anos é demais. É superestimar o papel de Lula na história nacional. Quem sabe 100 dias. Ou 100 horas. Mas Protógenes Queiroz acolheu meus ensinamentos e repete obedientemente meu antigo mantra – impeachment, impeachment, impeachment –, que já caiu em desuso. Sobramos apenas nós dois nessa Mumbai institucional: Protógenes Queiroz e eu.

A CPI dos Grampos recebeu outro documento do computador de Protógenes Queiroz. É aquele que escarafuncha a intimidade de Dilma Rousseff. Está armazenado na pasta "Zeca Diabo", o nome dado por ele a José Dirceu. Trata-se de um relatório clandestino, que parece reproduzir um diálogo entre um informante do delegado e alguém com acesso ao ambiente da ministra. Dilma Rousseff é associada a dois nomes. O primeiro nunca dependeu dela para fazer carreira, por isso tenho de calar o bico. O segundo – Valter Cardeal – é mais constrangedor. Em 2003, ele foi nomeado por Dilma Rousseff para a diretoria da Eletrobrás. No mesmo período, tornou-se presidente do conselho da CGTEE e da Eletronorte. Em 2006, ganhou o cargo de presidente da Eletrobrás. Sempre na esteira de Dilma Rousseff. No ano seguinte, foi acusado de envolvimento com o esquema de propinas da Gautama, depois de ser grampeado pela PF. Sim: ele foi grampeado. Sim: pela PF.

Protógenes Queiroz tem de responder a duas perguntas na CPI dos Grampos. Primeira: quem é o autor do relatório sobre Dilma Rousseff? Segunda: o que ele pretendia fazer com isso? Namastê.

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA

Claudio de Moura Castro
Civilizações não
são contagiosas

"Minorias não logram impor seus valores, expectativas e comportamentos, mesmo tendo o poder militar"

Cinco séculos atrás, com os avanços na cartografia e nas artes navais, os europeus se esparramaram pelo mundo afora. O que levaram para as novas terras? Os países mais avançados, como Inglaterra, França, Alemanha e Holanda, possuíam um núcleo educado, dominando ciências e tecnologias. Tinham capacidade de se organizar e governos funcionais. Isso tudo lhes dava competência econômica para produzir. Em que pesem os escorregões, foi uma herança extraordinária, ímpar na história da humanidade. Espanha e Portugal eram bem mais frágeis nesses traços, embora competentes nas artes navais e militares.

Ao longo dos séculos, os movimentos demográficos se plasmaram em dois modelos. O primeiro consistiu em entrepostos ou colônias de exploração que sobreviveram até recentemente. Eram enclaves defendidos manu militari, dispondo de alguma administração local. Os pouquíssimos colonizadores comerciavam ou administravam grandes propriedades, com mínima integração com as sociedades locais (ou seus escravos). Nesse modelo de colônias de exploração, Portugal criou as suas, como em Moçambique e Angola. Os conquistadores da Espanha avançaram pelas Américas. A Inglaterra foi para a África e o subcontinente indiano; a França, para a África e a Indochina; e a Holanda, para a Indonésia. Contudo, nem uma só dessas colônias, mesmo as dos países avançados, conseguiu criar economias e instituições como as da Europa.

Ilustração Atômica Studio


O outro modelo era de povoamento. Fluxos migratórios substanciais criaram núcleos com total predominância de colonos europeus. Para as suas novas pátrias, viajaram as famílias e as instituições. Desde o início, elas reproduziram o tecido sociocultural de suas sociedades de origem. As migrações inglesas criaram a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, a Nova Zelândia e enclaves na África do Sul (onde já havia enclaves holandeses). Os franceses foram para o Canadá. Todas as novas sociedades, criadas com predominância de migrantes dos países avançados da Europa, tornaram-se também países bem-sucedidos. Sem exceções.

Bem depois das levas de aventureiros e conquistadores, deixam a Espanha migrações diferentes. Eram agricultores e pequenos artesãos que criaram países em territórios quase vazios. Aí estão Costa Rica, Uruguai, Argentina e Chile, com razoáveis indicadores de desenvolvimento. Mas não se equiparam aos países criados por migrantes dos países mais avançados. Simplificamos demasiado. Como não fazê-lo, em uma só página? Mas o esboço mostra os limites e os potenciais da transferência de culturas e civilizações. Quando migrantes dos países mais avançados tiveram predominância demográfica, lograram recriar sua sociedade alhures. Sempre deu certo. O que tinham de bom foi reproduzido na nova sociedade (e de ruim também, como os preconceitos raciais). Em contraste, nas colônias, os europeus diluídos entre os "nativos" jamais conseguiram reproduzir plenamente os valores e a civilização da metrópole. Ou seja, as instituições de um país só se transportam plenamente quando plantadas em novas sociedades em que predominam seus cidadãos. Não se conseguiu enxertar uma cultura em outra, pela via de alguns poucos colonizando os "nativos". Minorias não logram impor seus valores, expectativas e comportamentos, mesmo tendo o poder militar. Civilizações não são contagiosas e não "pegam de galho". Mas advertimos: nada a ver com raça, pois minorias bem integradas de outros sangues, como camaleões, podem incorporar os traços da cultura majoritária.

E o Brasil, colonizado por um dos países mais atrasados da Europa? Inicialmente, bandos de portugueses misturaram-se espontaneamente com os índios e africanos. Lá pelas tantas, fugindo de Napoleão, aportou dom João, trazendo toda a elite portuguesa, um caso único de transplante de uma sociedade europeia. Seguiu-se uma extraordinária miscigenação, integrando (na cama) migrantes de mais de cinquenta nacionalidades. O quadro é confuso, mesclando enredos de atraso, progresso e uma surpreendente capacidade de aculturação. Terminamos com uma sociedade heterogênea, de grandes pecados, grandes ambiguidades e grandes realizações. Para enxergar mais à frente, precisaríamos ver o passaporte de Deus.

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

J.R. Guzzo 
Dilma e Dilma

"O estranho, nas opções da ministra, não é ter
mudado de ideias, mas ter mudado de turma"

É raro para um cidadão brasileiro, hoje em dia, passar 24 horas seguidas sem ouvir falar da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Se alguém acha muito, pode se preparar: ainda não viu nem ouviu nada, quando se pensa um pouco no que vai ver e ouvir daqui por diante. A ministra, na vida prática, é a candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do governo para as eleições presidenciais do ano que vem; até lá, nenhum esforço vai ser poupado, e nenhum recurso deixará de ser gasto, para fazer o eleitorado acreditar que ela é a segunda pessoa mais virtuosa da história do Brasil, logo depois do próprio Lula. Por mais que Dilma esteja na frente do palco, porém, pouco se tocou até agora no que parece ser a questão-chave para as pessoas realmente entenderem quem ela é. O resultado tem sido muito palavrório sobre quase tudo o que não interessa a seu respeito. Nada se ganha, é claro, com o barulho permanente produzido pela propaganda oficial em torno de suas qualidades, reais ou imaginárias. Da mesma forma, parece uma perfeita perda de tempo o debate sobre defeitos que a ministra não tem.

Uma das restrições mais frequentes feitas a Dilma Rousseff, por exemplo, é que ela não tem "jogo de cintura" – coisa considerada importantíssima por quem acha que entende de política, a começar por gente do próprio governo. Pode ser. Mas a ministra não está participando de um concurso de dança do ventre; é candidata à Presidência da República. Ela também é criticada por levar a um estado próximo à morte cerebral, por overdose de chatice, as plateias de suas reuniões de trabalho. Não é um pecado mortal; a ministra é paga para ser eficiente, e não para ser divertida. Dilma não tem culpa, igualmente, pelas risadinhas que se ouvem quando é chamada de "mãe do PAC", de "madrinha do pré-sal" ou de "sacerdotisa do serviço público"; tudo isso é invenção de Lula. Ela só paga mico – e talvez nem seja um mico, se acabar ganhando a eleição. Lamenta-se, por fim, que a ministra nunca tenha sido eleita para um cargo público em toda a sua carreira. E daí? Levando-se em conta os prontuários da maioria dos políticos brasileiros, que passam a vida sendo eleitos, talvez seja até uma vantagem.

O nervo central do que poderia ser uma discussão mais útil sobre a ministra não está em nada disso – nem nos prodígios do PAC, ao qual o governo atribui o mérito de cada prego que é batido numa tábua dentro deste país, nem na imagem de funcionária pública irritada que se criou em torno dela. Está, muito mais, no fato de que há pelo menos duas Dilmas conhecidas, e uma não combina em nada com a outra. A primeira, como se sabe, arriscou a vida durante a juventude combatendo a ditadura militar como militante de grupos armados; foi perseguida, torturada e esteve na cadeia entre 1970 e 1973, época em que o atual presidente do Senado, José Sarney, era um dos pilares civis do regime e de seu partido, a Arena, que chegaria depois a presidir. A segunda, a Dilma que se vê hoje, tem no mesmo José Sarney um de seus aliados mais valiosos; joga em seu time, vive no seu ambiente e, sempre que pode, atende a seus pedidos. Não se trata apenas de Sarney. Junto com ele, nessa nova vida, vêm Renan Calheiros e Romero Jucá. Vêm Jader Barbalho e Fernando Collor. Vem mais toda a "base aliada" – ou "as gangues partidárias", como dizia a ex-senadora Heloísa Helena, cuja postura política a primeira Dilma Rousseff tanto poderia admirar.

Não faz sentido estranhar que a ministra tenha adquirido novas ideias e desistido de fazer política a bala. É seu direito e, possivelmente, seu mérito. Mas muitos militantes como ela, e que como ela foram perseguidos pela polícia, presos, torturados ou exilados, também mudaram de ideias e hoje participam da vida pública; nem por isso viraram sócios políticos do senador Calheiros ou beijam a mão do deputado Barbalho, como já fez o presidente a quem Dilma deve toda a importância que tem. O estranho, nas opções da ministra, não é ter mudado de ideias, mas ter mudado de turma. Em algum momento, nestes últimos anos, ela atravessou a fronteira que separa o mundo do idealismo do mundo dos Calheiros e Barbalhos; em geral não há volta quando se entra nesse território, povoado por diretorias de estatais, fundos de pensão, advogados administrativos e empreiteiras de obras públicas. Costuma-se dizer que, para governar, certos acordos são um mal necessário. O problema não é como esses acordos começam, e sim como terminam. No começo são maus e necessários. Depois ficam só necessários. No fim acabam sendo apenas acordos.

RUY CASTRO

Risos galináceos

Folha de São Paulo - 14/03/09

RIO DE JANEIRO - Uma característica dos e-mails, além da velocidade da comunicação, é a simplificação das mensagens. Assim como nos antigos telegramas -haverá algum sub-90 que ainda passe telegrama em dias de hoje?-, as palavras podem ser podadas, resumidas ou abreviadas, acelerando mais ainda a comunicação. Como a humanidade troca milhões de e-mails por segundo, temo que, em pouco tempo, comecemos a falar da maneira como os escrevemos -se é que isso já não está acontecendo.
A representação gráfica do riso nos e-mails, por exemplo, está se tornando, cada vez mais, kkkkkkkk kkkkkkkkkkkkk. O remetente escreve algo que ele próprio acha engraçadíssimo. Então, tecla o k e deixa a letra disparar. Pronto, está dada a hilariante mensagem. Se o recipiente não rir, problema dele.
O kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, até pela facilidade de escrever, parece ter aposentado o querido hahahahahahahahahaha. O que significa isto? Que passamos a cacarejar em vez de gargalhar? Nos e-mails, sim. Só espero que, na vida real, as pessoas não abandonem o gordo e pleno hahahahahahahahahaha, que vem das profundas das entranhas e faz com que a gente se sacuda, pelo som glótico, quase galináceo, tipo bruxa de disco infantil, do kkkkkk kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Uma alternativa a kkkkkkkkkkk kkkkkkkkkkkkkk é quando o sujeito escreve rsrsrs -que, só há pouco, na minha profunda inocência tecnológica, descobri ser uma abreviatura de risos. Juro que, até então, eu pensava que rsrsrs era uma abreviatura de rosnado ou de rilhar de dentes -até que uma amiga me alertou de que, para significar rosnado, o sujeito provavelmente escreveria grrr.
Aprenderei. Mas acho difícil que, um dia, eu passe a usar rsrsrs, grrr ou o kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Até lá, bjs e abrs.

DORA KRAMER

FIAT LUX!


O Estado de São Paulo - 14/03/09

A primeira providência é aposentar a peneira de tampar o sol. A segunda, parar de empurrar para dentro do armário todo e qualquer acontecimento entendido como fato do passado. A terceira, simplesmente agir de maneira correta: cumprir as regras, instituir controles e punir os infratores.

Feito o básico, aí sim se poderá pensar e reconhecer como veraz a afirmação do senador José Sarney de que o Parlamento não faz nada que não seja à “luz do dia”.

Por ora a realidade não lhe confere crédito. Pode, por exemplo, ser tido como transparente um Poder que considera lícitos para efeito de atuação parlamentar os delitos anteriores ao início do mandato?

E o que absolve os crimes cometidos no curso da missão delegada por ordem do corporativismo explícito, pode?

Evidentemente que não. Assim como não há transparência na decisão de se divulgar notas fiscais a partir de determinada data, mantendo sob sigilo o passivo dos mesmos documentos. Há, sim, uma óbvia presunção de culpas e uma evidente intenção de absolvê-las coletiva e liminarmente. Isso, no lugar de fazer todos inocentes, põe o coletivo sob suspeita, o que fere a instituição e garante aos malfeitores um lugar à sombra.

O presidente do Senado, portanto, não defende a Casa quando saca a peneira para tampar a luz do sol. Antes, contribuiu para empurrá-la mais alguns degraus escadaria abaixo. Poderiam, tanto ele quanto o presidente da Câmara, Michel Temer, agir diferente? Poder para isso não lhes falta. Podem participar do Conselho da República, podem substituir o presidente do país, podem decidir impasses em votações do plenário.

Como não podem revogar uma ordem para pagamentos abusivos ou impedir prorrogação artificial de sessões com o fito exclusivo de assegurar um extra aos funcionários? Como não podem afastar do posto um diretor que durante dez anos empresta o imóvel funcional aos filhos? Como não podem ordenar uma revisão total de procedimentos?

Não só podem como deveriam virar tudo de cabeça para baixo, sacudir a poeira e partir para a volta por cima. Para isso, no entanto, é preciso que estejam de fato imbuídos do espírito de defesa do Poder Legislativo, hoje fragilizado em consequência do monumental equívoco de ignorar a mudança dos tempos, a evolução da sociedade, a alteração da percepção de representados a respeito de seus representantes.

A relação vai deixando cada vez mais de ser de reverência e admiração típica de súditos. O eleitorado há algum tempo adquire a noção republicana de que dele emana o poder que em nome dele deve ser exercido.

Na visão retrógrada ainda preponderante na cabeça não só de parlamentares, mas também do presidente da República, de governadores, ministros, prefeitos e mesmo de muito burocrata sub do sub, aquele dístico é só um enfeite no enunciado da Constituição.

A mentalidade obsoleta reza que se mantenha indiferença às denúncias a fim de não ceder aos ditames da opinião pública, perigosíssima – vide a ascensão de Hitler pela vontade popular, a preferência da maioria pela pena de morte e sofismas afora.

O que se cobra hoje do Congresso não é nenhuma barbaridade. Ceder aos ditames e à pressão da opinião pública significa nada mais que fazer o certo como manda a regra, pôr um fim em privilégios de antanho, rever conceitos, manter a coluna vertebral o tanto quanto possível ereta e caminhar no prumo para o futuro.

Há distorções nos outros Poderes? Que o Congresso, na condição de colegiado representativo da sociedade, corrija as suas e, quem sabe, faça a diferença. Na base da teimosia, na opção sistemática pelo malfeito, não é demais repetir: o Congresso deixa o país à mercê da ação de salvadores, caçadores e arrivistas sempre prontos a se apresentar como líderes da virada da maré.

José Sarney viu esse filme algumas vezes, a última faz apenas 20 anos. Há de convir: não vale a pena ver de novo.

Fanfarra

Fernando Collor de Mello é um personagem instigante, reconheça-se. Consegue suscitar no espectador algumas dúvidas, não obstante já tenha oferecido motivos de sobra para que a respeito de seus propósitos não restasse a menor dúvida.

E quais são as incertezas? Se ele imagina realmente que engana alguém fazendo pose de estadista na presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, se aposta que um surto de amnésia coletiva tenha varrido da memória do Brasil a figura do moralizador cassado por corrupção, ou se acredita, de fato, na própria pantomima em molde de reedição.

Seja qual for a resposta, conta em emergir de santo no altar da lama geral pela arte e a manha da comparação.

FERNANDO RODRIGUES

O stalinismo no futebol

Folha de São Paulo - 14/03/09

BRASÍLIA - Um grande prazer nas manhãs de domingo da minha infância era quando meu pai decidia, de última hora, que iríamos a uma partida de futebol à tarde, no Morumbi. Esse tempo passou. Lula e seu ministro do Esporte, Orlando Silva, anunciaram ontem que só serão admitidos nos estádios em 2010 os torcedores previamente cadastrados e portadores de um documento de identificação específico para eventos esportivos.
A ideia é reduzir a criminalidade nos estádios. Mas, em vez de punir os vândalos, o governo socializou o problema. Pessoas de bem terão de se submeter ao incômodo processo de obter uma carteirinha. Não passou pela cabeça dos formuladores do governo que esse tipo de exigência fere o direito de ir e vir. A história é pródiga em exemplos dessa ordem. Na antiga União Soviética, os cidadãos eram obrigados a ter um passaporte interno. Só mudava de cidade quem tivesse autorização prévia de trabalho e moradia no local de destino.
O ministro Orlando Silva é do PC do B, partido cujo modelo de nação até recentemente era a Albânia. Também foi presidente da UNE, uma espécie de sindicato de ex-estudantes em atividade e berço dos "maníacos da carteirinha".
Há soluções mais simples para combater a criminalidade nos estádios. Por exemplo, cadastrar vândalos (muitos são conhecidíssimos) e obrigá-los a ficar em delegacias nos dias e horários de jogos. Com a carteirinha do governo, já é possível imaginar o diálogo. "Vamos ao futebol hoje?", perguntará um amigo ao outro. E a resposta: "Não dá. Não sou cadastrado no sistema do Lula...". Turistas estrangeiros passeando pelo Rio e interessados em assistir a um Fla-Flu no Maracanã? Sem chances.
É o governo querendo resolver um problema e criando um ainda maior. O consolo é saber que nada disso dará certo. Como sempre.

VEJA E LEIA

REVISTA VEJA

Brasil
Ele é um canhão à solta

O delegado Protógenes Queiroz disse ao Ministério Público
que a Operação Satiagraha foi uma missão "determinada pela
Presidência da República" e que o juiz e o procurador 
do caso sabiam da participação da Abin


Expedito Filho

Montagem sobre fotos de Alexandro/JC e Ichiro Guerra

COMANDO
Protógenes alega em depoimento oficial que as ordens vieram de cima

Em setembro do ano passado, duas semanas depois de revelados os primeiros abusos na, de outra forma bem-sucedida, operação que levou à condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz foi espontaneamente à Procuradoria da República dar sua versão sobre o caso. Ele negou ter cometido ilegalidades, mas fez uma revelação que, se verdadeira, pode vir a ter consequências graves. Protógenes disse à Procuradoria que a operação não foi uma ação comum, mas o desfecho policial de uma investigação sigilosa que teria sido realizada "por determinação da Presidência da República". Protógenes não disse que recebeu ordens para gram-pear telefones sem autorização ou para espionar a vida privada e profissional de ministros, políticos, juízes, advogados e jornalistas – o que efetivamente ocorreu no decorrer da operação. Ao localizar a origem das ordens para a investigação no Palácio do Planalto, o delegado aventa a hipótese da criação de uma incomum e ilegal cadeia de comando que, como mostra a história, só existe regularmente em ditaduras e, sempre com resultados funestos, em alguns poucos regimes democráticos. Protógenes contou à Procuradoria que as ordens de cima chegavam até ele por intermédio do então chefe do serviço secreto brasileiro, delegado Paulo Lacerda, que dirigiu a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, até ser afastado há três meses em consequência das irregularidades hierárquicas e de procedimento da operação comandada pelo delegado Protógenes.

O depoimento de Protógenes Queiroz à Procuradoria-Geral da República, ao qual VEJA teve acesso, traz uma segunda revelação incômoda. O delegado afirma que a atuação dos mais de oitenta espiões da Abin no caso era do conhecimento do juiz federal Fausto de Sanctis e do procurador da República Rodrigo de Grandis. Alguém está mentindo. O juiz e o procurador já negaram publicamente ter tido conhecimento da participação dos agentes secretos do governo – embora ambos tenham ponderado que não haveria nenhuma irregularidade na hipótese de uma eventual "colaboração informal" da Abin. Protógenes também afirmou à Procuradoria que o pedido de ajuda à Abin "não foi formal", mas "verbal", e que esse tipo de coordenação entre policiais e espiões do governo "é comum". No campo das formalidades, não haveria o que reparar no caso. Ocorre que, no tempo decorrido entre o depoimento de Protógenes à Procuradoria e a semana passada, ficou patente que:

1) a participação dos espiões da Abin foi muito mais intensa do que uma simples colaboração;

2) os agentes da Abin foram acionados para dar a forma de relatório a escutas telefônicas legais e ilegais;

3) eles seguiram autoridades e vigiaram suspeitos.

Se o juiz e o procurador estavam real-mente cientes do grau de envolvimento da Abin, como revelou o delegado Protógenes, no mínimo desnuda-se a existência de um consórcio de autoridades judiciárias que em nome de um objetivo é capaz de atropelar as leis sem nenhum constrangimento. A hipótese de o juiz e o procurador terem sido enganados é mais grave. Nessa eventualidade, ficaria evidente que um grupo de policiais e espiões oficiais operou no Brasil sem o conhecimento nem o aval da Justiça, alegando estar sob ordens da Presidência da República. A primeira perplexidade que decorre disso tudo é que, se, para prender e condenar um banqueiro acusado de corrupção, o estado brasileiro precisa montar um esquema clandestino de espionagem, a administração vai de mal a pior. A segunda beira o impensável. Se o objetivo não foi prender e condenar por corrupção o banqueiro bilionário, mas apenas usar isso como pretexto para espionar cidadãos, a administração federal deve ao Brasil um rosário de explicações.

OFICIAL
No depoimento, o delegado diz que o comando foi dado pelo chefe do serviço secreto do governo

Prorrogada por mais sessenta dias, a CPI dos Grampos é o foro próprio para que essas perguntas sejam feitas e respondidas. A comissão quase encerrou seus trabalhos de maneira melancólica há duas semanas. Isso só não ocorreu porque veio à luz parte do conteúdo dos arquivos de computador de Protógenes Queiroz apreendidos pela corregedoria da Polícia Federal. Publicado por VEJA, o material demonstrou que a equipe do delegado espionou ministros do governo, entre eles a poderosa Dilma Rousseff e Mangabeira Unger, senadores, juízes, jornalistas e advogados. Em um depoimento anexado ao inquérito que investiga o delegado, o agente da Abin Lúcio Fábio Godoy aparece dizendo ter ouvido do delegado Protógenes que a operação contra o ex-banqueiro Daniel Dantas atendia a interesse do presidente Lula, cujo filho Fábio Luís da Silva, o Lulinha, "teria sido cooptado pela organização criminosa". O governo decidiu não comentar o depoimento.

Oficialmente, dos alvos de Protógenes apenas se pronunciou a ministra Dilma Rousseff, que teve detalhes de sua vida pessoal descritos em um relatório no computador do delegado. Disse que não teme escutas telefônicas – embora não haja evidência de que tenha sido vítima disso – e que as informações publicadas sobre ela não seriam verdadeiras. A espionagem clandestina do delegado foi discutida na reunião de segunda-feira entre Lula e seus principais assessores. Protógenes Queiroz, vez por outra, manda recados de que ainda possui informações guardadas que podem constranger seus alvos. Na semana passada, ao ser informado sobre sua convocação para um novo depoimento à CPI, ele disse que, quando isso acontecer, pretende "dar nome aos bois". Em se tratando de Protógenes, pode ser blefe, pode ser um surto, pode até ser verdade. A extensão da espionagem chefiada pelo policial permite qualquer uma das hipóteses, já que ele investigou legal e ilegalmente um número muito grande de pessoas.

Fotos Beto Barata/AE e Andre Dusek/AE

ESPIÃO 
O presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (à dir.), quer o indiciamento de Paulo Lacerda por falso testemunho

Na semana passada, indagado sobre a suposição de que teria recebido ordens do presidente da República para investigar o banqueiro Daniel Dantas, Protógenes reagiu da maneira surrealista que o caracteriza. Primeiro, tentou desconversar, deixando pairar a dúvida sobre o possível papel de Lula no episódio. Disse o delegado: "Acredito que o presidente saiba responder melhor do que eu". Depois, em uma palestra para estudantes universitários em Goiás, afirmou que não fazia "parte de nenhuma guarda pretoriana a trabalho de algum governo". Vários agentes da Abin, porém, disseram em seus depoimentos a diversas autoridades que o delegado sempre lhes lembrava que aquilo se tratava de uma "missão presidencial". Ele mesmo chegou a divulgar, em julho do ano passado, uma nota reafirmando essa versão. No depoimento prestado à Procuradoria da República, Protógenes foi ainda mais explícito ao dizer que a "operação era uma missão determinada pela Presidência da República ao DPF (delegado da Polícia Federal) Paulo Lacerda, tendo em vista informações repassadas pela Abin". Obviamente, as declarações oficiais e extraoficiais do delegado Protógenes não são prova da existência de uma impensável cadeia de comando que tenha no topo o presidente da República. Por suas ruinosas consequências institucionais, o melhor que pode ocorrer é que sejam mais um blefe dos tantos que o policial fez no decorrer e depois da operação que lhe foi confiada.

Fotos Patricia Stavis/Folha Imagem e Henrique Manreza/Folha Imagem

VERDADE OU MENTIRA?
O juiz Fausto de Sanctis (à esq.) e o procurador Rodrigo de Grandis, segundo depoimento do delegado Protógenes, sabiam da ação da Abin

Os técnicos da CPI dos Grampos estão desde a semana passada debruçados sobre o material apreendido com Protógenes Queiroz. "O conteúdo dos computadores é nitroglicerina pura e mostra que a operação realmente não tinha nenhum limite ou controle", diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Nesta semana, integrantes da comissão irão a São Paulo para uma audiência com o juiz Ali Mazloum, o responsável pelo inquérito que investiga a espionagem clandestina do delegado Protógenes. Os parlamentares vão solicitar cópias de laudos e relatórios em poder da Justiça. Os deputados também pretendem ouvir mais uma vez o juiz Fausto de Sanctis, para tentar saber dele até que ponto o delegado o mantinha informado da participação da Abin durante a realização da Operação Satiagraha. Em depoimento à CPI, em agosto do ano passado, o juiz disse que desconhecia os detalhes da ação dos es-piões do governo: "Sobre a participação da Abin, eu também não tenho como responder, é fato concreto. Isso vai chegar provavelmente ao meu conhecimento. Se isso tudo é verdade, vou ter de apreciar futuramente". Indagado sobre o mesmo tema, o procurador Rodrigo de Grandis foi taxativo. "Não, eu não sabia", disse. O presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), acredita que, com a nova prorrogação, será possível desvendar a cadeia de comando que permitiu ao delegado Protógenes montar sua rede de espionagem. Disse Itagiba: "Espero que esta prorrogação represente a consolidação dos elementos de condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas e sirva também para indiciar Paulo Lacerda, Protógenes Queiroz e a antiga direção da Abin".


Fotos Celso Junior/André Dusek/Ronaldo Bernardi/Ag. Rbs/AE/Eduardo Knapp/Folha Imagem

SÁBADO NOS JORNAIS

Globo: Contenção de gastos vai afetar concursos públicos

 

Folha: Protecionismo não é saída, afirma Lula antes de ver Obama

 

Estadão: Lula critica protecionismo nos EUA

 

JB: Lula, Obama e o menino Sean

 

Correio: Três faces de uma tragédia

 

Estado de Minas: Basta!

 

Jornal do Commercio: Futebol - Cerco aos vândalos