segunda-feira, dezembro 14, 2009

RUY CASTRO

Síndrome de Suri

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/12/09


Temo estar perdendo maravilhas, mas nunca vi um filme com Katie Holmes. Sei que é mulher de um ator chamado Tom Cruise, de quem também só assisti a 'De Olhos Bem Fechados', por causa do diretor Stanley Kubrick, e que o casal tem uma filha de 3 anos, Suri, que vive saindo na mídia por usar sapatos de salto alto, tomar vinho tinto e ter seu próprio cartão de crédito.

Holmes e Cruise devem ter suas razões _despreparo, carreirismo ou deslumbramento_ para permitir tal precocidade na biografia da filha. Nas reportagens sobre Suri, os ortopedistas alertam para o fato de que saltos altos são incompatíveis com uma estrutura óssea cuja formação, segundo eles, só se completará aos 12 ou 13 anos. Além de serem uma garantia de dores, calos e joanetes para Suri e, na vida adulta, de pernas curtas e dificuldade para caminhar. Esses alertas, pelo visto, caem no vazio. O problema não se limita a Hollywood ou a filhos de pais famosos. No Brasil, talvez mais que em outros países, há meninas entre 3 e 10 anos com hora marcada no salão para depilar a sobrancelha, aplicar 'luzes' no cabelo ou fazer tratamento contra celulite. Toda garota quer se parecer com a mãe, é normal. O problema é quando os fabricantes de cosméticos, sutiãs etc. assumem o controle dessa estética infantil e passam a impô-la às crianças com a conivência das mães. O humanista americano Neil Postman (1931-2003) alertou para esse problema num grande livro de 1982, 'O Desaparecimento da Infância' (há versão brasileira, pela editora Graphia). Todas as previsões de Postman se confirmaram: sem saber, estamos gerando crianças-adultos, que dificilmente chegarão à maturidade. Sem saber, mesmo _talvez porque nós próprios, filhos da segunda metade do século 20, já sejamos adultos-crianças.

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