sábado, dezembro 12, 2009

RUY CASTRO

Publique-se a lenda

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/12/12/09



Se você assistiu ao filme O Homem Que Matou o Facínora (1961), de John Ford, recorda-se de como o senador Ransom Stoddard (James Stewart) narra para o editor do “Shinbone Star” como fez toda a sua carreira política em cima de uma fraude. Contrariando a lenda, não fôra ele que matara o facínora (Lee Marvin) e, com isso, trouxera a lei para aquela região do Oeste, mas o ex-pistoleiro Tom Doniphon (John Wayne), tão frio quanto o bandido.

O jornalista sorri, rasga as anotações e diz a frase que ficaria célebre: “Quando a lenda se torna realidade, publica-se a lenda.” Há tempos, uma amiga me perguntou de quem era a frase. Respondi que, pelo visto, era do escritor James Warner Bellah, autor do roteiro. E só há pouco me dei conta de que o conceito já existia e pode ter sido criado aqui mesmo, no nosso quintal.

“O importante não é o fato, mas a versão” – lembra-se? É a mesma coisa. A frase, dos anos 40 ou 50, era atribuída ao esperto político mineiro Benedito Valadares. Mas outro político, também mineiro e também esperto, José Maria Alkmin, estrilou: “Poxa, Benedito, eu inventei a história de que o importante não era o fato, mas a versão. Você se apropriou dela e agora todos acham que é sua”. Ao que Benedito, ainda mais esperto, retrucou: “O que prova que ela está certa, meu filho.”

Mas, e se a frase tiver vindo de ainda mais longe no passado e não for de nenhum dos dois? No começo do século, o romancista francês Georges Duhamel escreveu: “Como toda pessoa séria, não acredito na verdade histórica, mas na verdade da lenda.”

Vale o escrito. Do presidente Lula ao mais nulo vereador de aldeia, noventa por cento dos políticos brasileiros na ativa construíram suas carreiras em cima da lenda, não da realidade. Os restantes dez por cento ainda não se deixaram flagrar.

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