quarta-feira, dezembro 09, 2009

EDUARDO JOSÉ BERNINI

Ganho de escala não é a única solução

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/12/09


A natureza e a engenhosidade humana colocaram o Brasil numa posição privilegiada no novo contexto mundial, em que a busca de desenvolvimento econômico prevê o uso prioritário de fontes renováveis de energia, alterando radicalmente a estrutura e a geopolítica do mercado energético.

Além do potencial hídrico e eólico, clima e solo garantiram a expansão da cultura da cana-de-açúcar. E a visão de empreendedores permitiu que o álcool hidratado e o álcool anidro se transformassem em substitutos "verdes" para a gasolina e aditivos como o MTBE. Com isso, o Brasil desenvolveu um agronegócio com forte sotaque energético, a partir de duas commodities: uma secular (açúcar) e outra com grande potencial para se consolidar globalmente em curto prazo (etanol).

As perspectivas são positivas, porém no curto prazo o setor padece de uma situação financeira turbulenta. As razões são muitas: baixos preços do etanol no mercado interno até recentemente; volume de financiamento e capitalização aquém do esperado; e crise financeira mundial, que freou a abertura do mercado internacional ao etanol. A causa matriz, porém, foi o acelerado crescimento com base em perspectivas de mercado que não se confirmaram.

A solução passaria por um processo de consolidação por meio da concentração e fusão entre os grupos, conforme se comenta no mercado e provam as recentes aquisições que vieram a público. A aposta é que somente sobreviverão negócios com escala acima de 40/50 milhões de toneladas de cana esmagada por safra. A justificativa é forte e respeitável, principalmente por conta do jogo de forças na formação de preços do etanol no mercado interno. A saída, portanto, seria a fusão para ganhar escala e disputar o mercado internacional.

Mas não haverá um caminho alternativo para os grupos de menor porte? Analisar essa questão é essencial, pois sua resposta pode ser determinante para o futuro do setor e, em consequência, para a competitividade do País no mercado internacional dos combustíveis verdes.

Independentemente do porte do grupo, a atração de novos investidores, principalmente aqueles comprometidos com o binômio "eficiência na gestão" e "responsabilidade socioambiental", exige mais do que equacionar problemas financeiros de curto prazo ou acenar com a competitividade futura. Implica ter a disposição de modernizar a gestão com a correspondente adoção de padrões elevados de governança e de sustentabilidade socioambiental, precondições cada vez mais exigidas dos gestores de investimentos. E esse compromisso, por relacionar-se com postura e visão de futuro, pode também ser assumido pelas usinas de porte menor.

Atrair novos investidores capitaliza o negócio, mas traz consequências como, por exemplo, a diluição do controle dos atuais proprietários/acionistas. Além disso, os investimentos deverão ser canalizados não só para a melhoria contínua da produtividade, mas também para a inevitável evolução tecnológica - sobretudo na passagem do bagaço hoje combustível para o bagaço fonte de celulose para o bioetanol de segunda geração. Essa migração vai alterar profundamente o atual balanço energético das usinas, transformando-as de exportadoras de energia elétrica (via cogeração) em importadoras líquidas, mesmo que alguma capacidade de geração venha a ser preservada com a recuperação do metano da vinhaça.

Outra consequência será a permanente comprovação da adoção de práticas sustentáveis. Isso não é trivial, pois envolve a consolidação das iniciativas em curso e a perfeita sintonia com as melhores práticas em termos de condições de trabalho, mecanização, manejo agrícola e uso da água e sua reciclagem. Significa também comprovar que os canaviais se encontram em áreas consolidadas como "de cana" e que não há concorrência por terras com outras culturas.

Esses ingredientes tornam a equação do negócio mais complexa, porém mais próxima das novas tendências políticas e econômicas mundiais. Portanto, concentração e desnacionalização talvez não sejam o único caminho. Outra opção pode ser o compromisso com a qualidade e a modernização, que atraia a atenção de novos e diversificados investidores, compatibilizando respeito aos requisitos ambientais e sociais, sem abdicar da lucratividade.

Eduardo José Bernini, economista, sócio-diretor da Tempo Giusto Consultoria Empresarial, é especialista em energia

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