sexta-feira, novembro 27, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

O naufrágio das palmeiras


Folha de S. Paulo - 27/11/2009


Emirado de Dubai ameaça calote, balança mercados, alguns bancos e revela mais inépcia na finança mundial


ONDE FICA Dubai? É um dos Emirados Árabes Unidos.
Mas onde mesmo? Na ponta oriental da península da Arábia. É aquele emirado que construía ilhas artificiais, em forma de palmeiras.
Algumas ilhas são vendidas para bilionários, algumas têm hotéis. Quem assiste a programas de celebridades e colunas sociais na TV brasileira deve ter visto reportagens promocionais em que figuras "pop" passeavam à tripa forra em Dubai. Pois é, esse emirado, Dubai, balança os mercados financeiros do mundo.
O governo do emirado sugeriu uma reestruturação da dívida da "holding" estatal que administra os negócios imobiliários, hoteleiros e de portos, a Dubai World, e uma moratória das dívidas de uma subsidiária. E daí? E daí que ninguém ainda entendeu direito o que Dubai pretende fazer. Para piorar, a sugestão de calote atingiu os mercados mundiais num dia de feriado no centro das finanças mundiais, os Estados Unidos. A reação previsível dos mercados é vender ativos de risco e encarecer o custo de fazer seguro contra calote de dívidas. Na dúvida, vende-se. As Bolsas caíram pelo mundo, as moedas de emergentes se desvalorizaram, o dólar também, os ativos brasileiros também. Enfim, a memória dos choques da crise de 2008 ainda está bem fresca.
Mas ainda pouco se sabe sobre o que Dubai fará de suas dívidas, o quanto dela entrará pelo cano e se a reestruturação será imposta aos credores. Alguns dos credores do emirado são os bancos de Abu Dhabi (outro emirado), o Credit Suisse e os britânicos HSBC, Barclays, Lloyds e RBS. Afora o HSBC, os britânicos na prática quebraram durante a crise de 2008. Apenas não foram à breca e à lona de fato devido à estatização ou aos favores financeiros do governo britânico. Os entendidos em Dubai acham que a sugestão de moratória é apenas um balão de ensaio, para testar a reação de investidores.
Dubai vive de turismo, comércio (porto) e queria ser o centro financeiro do Oriente Médio. A Dubai World tem participações em vários negócios pelo mundo, como cassinos nos EUA e bancos no Reino Unido. Dubai investiu muito em infraestrutura e demais, aparentemente, em imóveis. O retorno não parece estar sendo bom. Na verdade, o colapso do mercado imobiliário do emirado foi um dos maiores do mundo. No dia 14 de dezembro, vencem US$ 4 bilhões de juros e o principal de títulos ("sukuks") da estatal de empreendimentos imobiliários, a Nakheel, braço da Dubai World -a Nakheel constrói casas e as ilhas em forma de palmeiras. O governo de Dubai quer pagá-los em maio de 2010. A Nakheel é da estatal Dubai World, que deve US$ 59 bilhões. O emirado e suas estatais devem ao todo US$ 80 bilhões. Se Dubai renegasse sua dívida total, tratar-se-ia de um calote menor apenas que o da Argentina, em 2001.
Como nem os entendidos em Dubai sabem se vai haver calote de fato, como não se conhece a reação dos mercados americanos, como não se sabe quanto os emirados devem a cada um de seus mais de 60 credores etc., fica difícil avaliar o tamanho do estrago causado pelo naufrágio das palmeiras. Mas está exposto mais um caso vergonhoso da grande competência dos mercados financeiros na alocação de capital.

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