sábado, novembro 28, 2009

MERVAL PEREIRA

Insensatez

O GLOBO - 28/11/09


A sensata posição do presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz Carlos Árias, de apoiar a eleição presidencial em Honduras que se realiza amanhã como a melhor saída para a crise institucional em que se envolveu aquele país desde que o presidente eleito, Manuel Zelaya, foi deposto do poder, cinco meses atrás, é um alento para a democracia na região e um corte na tentativa bolivariana, endossada pelo governo brasileiro, de reduzir à volta de Zelaya ao poder a possibilidade de a democracia sair vitoriosa.

Não há dúvida de que ambos os lados em disputa cometeram erros que levaram à crise, o presidente eleito seguindo a norma chavista, disseminada na América Latina, de alterar a Constituição através de plebiscito para tentar permanecer no poder.

O governo em exercício, considerado golpista pelo Brasil, Venezuela e vários outros países da região, por não ter respeitado as normas legais até os últimos detalhes para tirar Zelaya do cargo.

Houve um processo legal em que tanto a Suprema Corte quanto o Congresso atuaram dentro do previsto na Constituição, e o então presidente teve oportunidade de defender seus pontos de vista, que não foram aceitos.

Mesmo a prisão decretada do presidente está prevista na Constituição, por traição à Pátria, caracterizada pela tentativa de alterar uma cláusula pétrea constitucional através do abuso do poder presidencial.

Mas a deportação de Zelaya para o exterior, à força das armas de militares do Exército, foi uma clara exorbitância extralegal que manchou o processo de deposição do presidente.

De lá para cá, Manuel Zelaya, com a ajuda do presidente venezuelano Hugo Chávez, tentou mobilizar a população hondurenha para retornar ao governo, mas pelo visto não tem a força que imaginava.

Retornou ao país clandestinamente, em uma operação acompanhada pessoalmente por Chávez, e fez-se “hóspede” do governo brasileiro na embaixada em Tegucigalpa, que o aceitou não como asilado político, mas como “abrigado”, numa tentativa de criar um fato consumado para o governo de fato.

A tentativa não deu certo e Zelaya vai ficando cada vez mais isolado dentro de seu próprio país, que caminha para encontrar nas urnas a solução para o impasse político em que se encontra.

Se o ex-presidente da Câmara e presidente em exercício Roberto Micheletti tentasse permanecer no poder em vez de realizar as eleições que estavam previstas na Constituição, estaria caracterizado o golpe.

Como as eleições se realizarão aparentemente dentro da legalidade, o mais sensato é aceitar as peculiaridades da situação e pelo menos tentar que, através de eleições, o país retorne à normalidade.

Como se sabe, uma democracia não depende apenas da realização de eleições, e os constantes plebiscitos em diversos países da região mostram claramente isso.

Será preciso a garantia das liberdades individuais, da liberdade de imprensa, o funcionamento independente dos poderes Legislativo e
Judiciário para que se caracterize a volta da democracia ao país.

O presidente da Costa Rica, Carlos Árias, chama a atenção para o fato de que as eleições de domingo devem ser monitoradas por organismos internacionais e ONGs para que não haja dúvidas sobre sua legalidade.

A partir daí, o novo governo vai precisar do apoio dos países da região, inclusive o Brasil, e dos órgãos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) para conseguir que o país supere a crise institucional que vive.

O governo dos Estados Unidos evoluiu em sua posição inicial para aceitar o resultado das eleições de amanhã mesmo sem o retorno de Zelaya ao poder, uma condição que ainda permanece ponto de honra para o Brasil, a Venezuela e a maioria dos países da região.

Mas já existem defecções nessa posição rígida, com Colômbia, Peru, Panamá e agora Costa Rica caminhando para endossar a posição dos Estados Unidos, que continua sendo a referência geopolítica da região.

A intransigência do governo brasileiro, em vez de ser uma defesa de princípios democráticos como querem fazer crer o Presidente Lula e o chanceler Celso Amorim, não passa de uma tentativa desesperada de manter o controle político da situação, e de impor uma posição ideológica, que define democracia como melhor convém a seus parceiros.

Não seria preciso nem mesmo lembrar que o governo brasileiro apoia a ditadura de Cuba sem exigir nenhum tipo de compromisso democrático do aliado.

E nem ressaltar que o Ministro da Justiça teve a pachorra de afirmar, para justificar o refúgio dado a Cesare Battisti, que o governo democrático italiano era “fascista” e não oferecia garantias à integridade pessoal do terrorista, condenado por nada menos que quatro assassinatos.

Os pesos diferentes podem ser constatados aqui mesmo na América Latina, onde o governo brasileiro não vê nada demais na ação do presidente da Nicarágua Daniel Ortega, que alterou diretamente na Suprema Corte a Constituição para poder se reeleger, e vê uma conspiração política na decisão da Suprema Corte de Honduras de manter as acusações contra o ex-presidente Manuel Zelaya.

As reiteradas manifestações antidemocráticas do governo de Hugo Chávez na Venezuela, com o cerceamento da liberdade de expressão, a intervenção na economia, a manipulação de instrumentos democráticos como o plebiscito para ferir a própria democracia, a perseguição aos adversários políticos, a interferência nos outros poderes para controlá-los, tudo é desculpado pelo governo brasileiro, e o presidente Lula chega a dizer que na Venezuela existe mesmo é democracia demais.

Mas para o caso de Honduras não há uma flexibilidade que permita sair do impasse.

O Brasil fica na estranha situação de torcer para que haja uma convulsão social em Honduras para provar que sua posição é a correta.

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